O homem na sua banca de jornal.

Perto de casa tem uma banca de jornal onde passo de vez em quando.

Certa vez, puxei papo com o dono quando ele desandou a relatar as suas infindáveis lamentações.

Disse que quando ficou desempregado há algum tempo, depois dos sucessivos insucessos para obter uma recolocação, decidiu partir para um negócio próprio.

Após pesquisar as alternativas, decidiu por ter a banca de jornal.

Passou o chapéu entre os membros da família e conseguiu completar o dinheiro necessário para iniciar o negócio.

Mal sabia em que toco de árvore estava amarrando o seu burro.

Logo de cara percebeu que o seu negócio é ruim, exige estar de plantão de domingo à domingo, não tem boa lucratividade e, pior de tudo, não tem novidade, emoção ou qualquer outro atrativo que compensasse a falta dos demais.

Passados dois anos, decidiu por vender a banca.

Fez alguns anúncios em jornais e até despertou o interesse de possíveis compradores, mas as negociações não foram adiante.

Sempre que vou lá, ele despeja a sua tradicional ladainha e inconformação por não conseguir passar aquele elefante branco para frente.

Um dia desses, cansado de ser a sua privada voluntária, na qual deposita seus dejetos verbais, disse o que pensava a respeito.

Para poder vender a banca, ele precisaria antes mudar a energia que pairava no negócio.

A cara dele, logo de cara, já espelhava o quanto aquela rotina era maçante, o quanto a gestão diária daquele pequeno empreendimento era enfadonha, enfim, ele mesmo já era o primeiro, e irrefutável, fator que cortaria o barato de quaisquer possíveis interessados.

Se somássemos isso às dificuldades inerentes ao negócio, pronto: era sopa no mel, porque o cenário estava completo, pronto para minar quaisquer impulsos concretos que poderiam conduzir à venda da banca de jornal.

Ou seja, apesar de supostamente querer passar o negócio pra frente, ele fazia tudo para inibir que isso viesse a ocorrer de fato.

Só que não tinha consciência disso e ficava eternamente inconformado em ter que cumprir o seu martírio diário, como se as possíveis pessoas que poderiam jogar a bóia para salvá-lo simplesmente viravam as costas.

Enquanto ele não mudar a sua relação com o trabalho, tornando-a mais agradável, produtiva e positiva (coisa que não será nada fácil), ele continuará cumprindo a sua sentença perpétua de ter que, todos os benditos dias, fazer exatamente algo que não quer, não gosta e não lhe dá o menor prazer.

Exatamente como tantas outras pessoas.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 06/04/2012
Reeditado em 08/04/2012
Código do texto: T3597063
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