O País dos Carnavais

Refletindo acerca da sobrevivência de uma grande e

amada árvore, que produz generosa sombra e muitos

bons frutos, mas guarda também sob sua copa

muitas pragas e ervas daninhas.

Porque existem Carnavais e carnavais...

Quem tem o hábito de visitar redes sociais com alguma frequência, certamente que já se deparou com diversas alusões, de elevadíssimo grau de bom-humor, diga-se de passagem, acerca do feito do repentino e sombriamente famoso Felipe Ciro Tadeu Farias, de 29 anos, suposto representante de uma das Escolas de Samba concorrentes ao título de Campeã do Carnaval Paulista. O rapaz em questão, num desenfreado surto de fúria, invadiu a área reservada à banca de escrutinadores do certame, tomando dos envelopes que continham as notas dos dois últimos jurados e rasgando-os imediatamente na frente das... E o resto todo mundo já sabe.

Interessante observar que, segundo a Escola de Samba que o exaltadíssimo folião achou por bem representar em seu ato de ira incontida, é ele apenas um ‘integrante comum’ da agremiação, não possuindo ligação alguma com a diretoria ou mesmo com a comitiva de representantes autorizados a acompanhar a apuração, ausentes aqui quaisquer intenções de julgar o enunciado daquela, e aclarando de antemão que tal nota tão somente fez-me aguçar a despretensiosa curiosidade inerente ao ser humano, quanto aos reais motivos que levam um indivíduo a encolerizar-se a ponto de executar tão estapafúrdia quão inesperada façanha (incluindo o possível universo mental deplorável do mesmo).

Acontece, entretanto, que nem toda referência ao fato, dentre as inúmeras propagadas nas redes sociais, traz em seu bojo o humor piadista e jocoso tão peculiar ao povo brasileiro. Ontem mesmo eu encontrei, numa destas redes, a foto do 'rasgador descontrolado' no momento de seu 'ato de bravura', ladeada de outra foto, esta da pequena Graziela Almeida, de 3 anos, que morreu atropelada por um jet-ski na praia de Guaratuba, no primeiro dia de carnaval, e tirada alguns momentos antes da tragédia fatal. Acima da primeira foto, uma legenda aludindo ao fato de que o ato de vandalismo praticado por Felipe já ser notícia há mais de 24 horas, seria uma atitude negativa de supervalorização imposta pela mídia, e abaixo, um texto noticiando (se levianamente ou não, não sei, e não me caberia também investigar), que as autoridades envolvidas já encontraram diversos motivos para incriminá-lo e deixá-lo por longo tempo encarcerado, inferindo ainda, que tal atitude se dava por ter ele ‘sacaneado uma apuração e atrapalhado a festa do Carnaval paulista’. Acima da segunda foto, a de Graziela, uma legenda asseverando que a notícia do acidente que culminou na morte da menina ‘passou rapidamente em alguns jornais e sites’, também acompanhada de um texto noticiando que ‘o dono do jet-ski está solto, mesmo tendo deixado o equipamento acessível à pessoa não habilitada’ e que ‘os envolvidos provavelmente responderão em liberdade’. Abaixo de ambas as fotos, uma terceira legenda, em letras maiores, dando boas vindas ‘AO PAÍS DO CARNAVAL’, e lançando uma interrogação ao leitor, incentivando-o a pensar sobre porque ‘O BRASIL NÃO FUNCIONA’, arrematando com uma irônica indagação de se seria ‘PRECISO DESENHAR’.

Fica claro que, quando o autor desta informação a concebeu nesse formato analógico, não se armou de intenções espúrias, até mesmo ao contrário, indignado, buscou evidenciar a pronta ação da lei num caso, que sob seu ponto de vista (que aqui não julgo ou desmereço), tem menor importância, em contrapartida com a inércia desta mesma lei num caso de importância gravíssima. Se tomarmos os fatos sob esta ótica comparativa, poderemos, talvez, concluir que realmente a lei não funciona em condições de igualdade para todos. Porém, se fizermos a análise dos casos em separado e imbuídos do espírito da sensatez, veremos que os dois casos apresentam delitos muitíssimo graves, a principiar pela enorme falta de responsabilidade dos autores de ambos, tanto no que tange à transgressão à lei, quanto nos danos que possam causar as consequências específicas advindas de tal violação, implicando assim, que nenhum deles deve ter sua gravidade exaltada, se em prejuízo à seriedade do agravo que o outro possa promover. Vejamos:

Caso 1 (O Tumulto na Apuração): Sob o réu principal, devidamente autuado em fragrante e responsabilizado, pesa a acusação de transgressão da lei, agravada por incitamento de multidão à desordem e ao vandalismo, em ato público e legitimado por entidades constituídas.

Daí, deduzimos que o réu cometeu delito gravíssimo, não só porque ‘sacaneou uma apuração e estragou a festa do carnaval’, como também porque pôs em risco a vida de centenas (quiçá milhares) de outras pessoas, ao insuflar determinadas turbas a atos bárbaros e que poderiam culminar em real tragédia e de enormes proporções, além de desrespeitar um evento regular, que se traduz na manifestação cultural e expressão maior da alegria de todo um povo, que a despeito da sofrível qualidade de vida que vem suportando ao longo de décadas, conserva a força e a garra, necessárias à manutenção de suas tradições e à promoção de sua festa mais significativa, no concernente à sua cultura e à sua natural autenticidade, e ainda, exibi-la a um mundo que se põe boquiaberto e completamente fascinado com tamanha exuberância.

Caso 2 (A Morte de Graziela): Sob o réu principal, devidamente autuado (na letra da lei) e responsabilizado, pesa a acusação de mau uso de veículo motor marítimo, cuja condução requer maioridade penal e autorização de órgão competente das Forças Armadas, de sua propriedade e, por conseguinte, sob sua guarda, culminando em homicídio culposo praticado por pessoa não capacitada e não adequada a nenhuma das exigências legais, e sob sua autorização.

Deste segundo caso, deduzimos também, que o réu cometeu delito gravíssimo, não só porque negligenciou sua responsabilidade para com a guarda e o uso do bem possuído, mas porque, neste caso, acabou sua falta resultando em real tragédia.

Sob a luz dessa nova análise, penso que o Sr. Felipe Ciro Tadeu Farias, tinha mesmo que ser, necessariamente (por força de lei), detido e autuado, independente de especulações acerca de supostas autoridades despóticas estarem ou não a tomarem medidas arbitrárias no sentido de aumentar sua culpa ou sua pena, bem como igualmente penso, que o responsável pela morte da menina Graziela Almeida, deveria ter sua prisão preventiva anunciada e efetivada, para se cumprir a igualdade que a justiça atesta possuir em seus olhos fechados, que de símbolo de imparcialidade pela igualdade, passa a ser, invariavelmente, pura e simplesmente cegueira, cuja ocorrência se mostra um tanto difícil de definir ou desvendar se pela ignorância que causa a incompetência, ou se deliberadamente maldosa e intencional, não obstante esteja a maioria da massa inclinada a acreditar na segunda opção, mais condizente com o que anunciam a cada dia os órgãos da imprensa e com as barbáries que presenciamos ostensivamente em todas as camadas da sociedade.

E a lição que podemos tirar de tudo isso é que, se nossa justiça é extremamente falha, se nossos governantes não são absolutamente dignos ou confiáveis, se temos uma considerável parcela de arruaceiros no seio de nossa sociedade, se nossas autoridades civis e militares são indiscutivelmente hipócritas e corruptas, se a fiscalização sob a responsabilidade de nossos órgãos soberanos não é exercida, se o país se vê refém do mais ímpio descaso e entregue ao total desleixo, não devemos pensar que tudo isso é culpa de 4 dias em que a nação celebra a vida e a alegria através da festa do Carnaval, genuinamente construída pelo povo; antes disso, devemos refletir muito à respeito dos outros 361 dias em que o carnaval (aqui sim em letras minúsculas, dado o sentido pejorativo) de abusos e desmandos acontece nas casas institucionais que deveriam zelar pelo nosso bem estar e felicidade.

É... Estes mesmos 361 dias com os quais contamos para informarmo-nos e agirmos na hora e da maneira certa, fazendo efetivamente a diferença em favor da enorme maioria da população, tão cruelmente maltratada pelos detentores do poder, que afinal, fomos nós mesmos que elegemos para nos representar, nos governar, e ditar nossas leis.

Por fim, resta-me apenas esperar que a semente, inda que débil, que eu sinceramente almejo estar deixando latente nestas palavras, possa encontrar nem que seja um só cadinho de solo fértil, e brotar, e crescer, e criar as raízes que tanto necessita esta nação, que é a única do mundo que tem o nome de uma árvore. Fertilizemos com os adubos do bom senso e do amor o solo de nossas almas, para que possam crescer fortes e vigorosas as raízes, o tronco, as folhas, as flores e os frutos dessa imensa e magnífica árvore chamada BRASIL!

Sem nos esquecermos, obviamente, que pragas e ervas daninhas são perigosamente nocivas, e devem ser sempre controladas...

Vamos lá irmãos, pois somos brasileiros, e não havemos jamais de desistir da luta por uma vida mais digna e aprazível!

Aleki Zalex
Enviado por Aleki Zalex em 23/02/2012
Reeditado em 24/02/2012
Código do texto: T3514655
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