GUERRA E PAZ

GUERRA E PAZ

Ontem tive o privilégio de ver/sentir a exposição “Guerra e Paz”, dos famosos paineis de Portinari que pertencem à sede da ONU e que vieram ao Brasil devido a um esforço do filho do pintor, João Cândido Portinari e pela primeira vez foram expostos em São Paulo.

O que me chamou a atenção numa reportagem que vi na televisão não foi apenas a genialidade de Portinari, mas o toque humanista de sua obra mais célebre. Encantou-me também a dedicação de seu filho com o legado do pai. Todo esse encantamento me levaram ao Memorial da América Latina.

Fui apresentada à obra desse genial artista quando era ainda uma adolescente mirradinha, cursava a 6ª série ginasial e no meu livro didático de Português tinha um texto cuja ilustração era a reprodução de uma das telas de Portinari. Lembro-me como se fosse hoje das cores suaves, da leveza, dos movimentos, da alegria e das brincadeiras de criança, muito parecidas com as que eu brincara na minha cidade natal. Foi identificação imediata, um caso de amor à primeira vista.

E agora, estava eu ali, junto com minha filha tendo a grata oportunidade de ver de pertinho os painéis.

Uma organização muito bem montada desde a recepção até a saída, uma mistura de recursos de multimídia com ares de coisa familiar trouxeram aos visitantes a ideia de quem foi o artista, não somente um expoente das telas, mas um homem simples, que valorizava as pessoas, que as representava através da mensagem de sua obra, denunciando a falta de respeito e de dignidade, lutando com suas tintas e nuances por um mundo melhor.

E os paineis “lidos” com apoio dos recursos tecnológicos nos deram a medida da profundidade da obra e do homem atrás da obra. A distinção entre dois temas tão antagônicos não estava tanto nas cores nem nas formas, bem parecidas até. A diferença entre “Guerra e Paz”, vistas pelo meu olhar, estava na expressão. “GUERRA” retrata pessoas sofridas, a dor da perda impregnada na mãe que segura o filho morto, numa releitura cabocla da Pietá, o desespero, a impotência diante da dor e da miséria estão ali no crispar de músculos, nas mãos que parecem se dirigir ao céu, implorando misericórdia, quase arrancando os próprios cabelos. A guerra está contida no olhar, no vazio, na desesperança. Não há cenas de combates, de soldados, de armas, pois, segundo Antonio Bento, Portinari escolheu essa forma simbólica de mostrar a guerra, com base apocalíptica.

“PAZ” nos presenteia com cenas de crianças brincando, gangorras, cambalhotas e piruetas dos meninos de Brodósqui, cabritinhos que saltam e dançam, sorrisos não escancarados mas francos, moças que cantam e dançam. Lá estão desde o miscigenado coral de meninos, a noiva, o palhaço, o plantio, a colheita e até o espantalho.... É como se o pintor falasse que a felicidade tem uma fórmula bem simples: o homem recebendo do abençoado fruto da terra, a justa lei da semeadura, sua família vivendo com dignidade, suas crianças tendo o direito de brincar. Como se não existisse paz onde não existam danças, músicas, pão, vinho e crianças brincando. Paz tem as cores e as formas da alegria infantil.

E foi assim que em meio aos murais, esboços e cartas de Portinari, mais que um artista talentoso, um homem especial e que tinha amigos, que fui novamente ao encontro de meu amado Peter Pan. E pensei em como Michael Jackson, em toda sua intensa obra e breve vida também retratara como poucos a guerra e paz que há em cada um de nós. Foi impossível não tecer um paralelo entre ambos e pensar em como os artistas geniais interpretam a humanidade, traduzindo sentimentos em obras inigualáveis e em como costumam se entregar, de corpo e alma à sua obra e ao seu público. Pensei então em como será lindo o dia em que os filhos de Michael tiverem a felicidade de prestar tributo a seu pai através de um memorial, de serem guardiões do acervo de sua obra e do seu legado, tanto artístico quanto humanitário, honrando-o e apresentando ao mundo o Michael humano/humanitário que a mídia negou, o homem que falou da importância de se valorizar a infância como etapa importantíssima do desenvolvimento humano, ao contrário do que apregoaram os tablóides (que o condenaram como pedófilo, quando a justiça oficial americana o inocentou de forma unânime), o artista que cantou e dançou a paz e a unidade entre os povos em músicas ontológicas como “We are the world”, “Heal the world”, Man in the Mirror”, “Another Par of Me”, só para citar algumas.

Mas imediatamente minha lembrança reportou-se ao importante discurso que Michael fez na célebre Universidade de Oxford, em 2001 - diga-se de passagem o mais concorrido de toda a história daquela instituição - do qual retirei esse trecho, mas recomendo que seja lido na íntegra, tal a profundidade do mesmo:

(...)

“Se eu realmente acredito que possamos curar esse mundo crivado de guerra, ódio e genocídio mesmo nesses dias? E se eu realmente acho que possamos curar nossas crianças, as mesmas crianças que entram em suas escolas com armas e cheias de ódio atiram em seus colegas como fizeram em Columbine; nossas crianças que lincham uma criancinha até a morte como a trágica história de Jamie Bulger ( assassinado na Inglaterra por dois garotos de 10 anos)?

Claro que eu acredito, ou eu não estaria aqui esta

noite. Mas tudo começa com perdão.

Pois para curar as crianças nós primeiro temos que nos curar.

E para curar nossas crianças, nós primeiro temos que curar a criança dentro de cada um de nós.” Michael Jackson (Discurso na Universidade de Oxford)

(...)

E voltei então para Cândido Portinari, o menino prodígio nascido na cidadezinha de Brodósqui, de família pobre e cujo talento o levou a estudar na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro com apenas 15 anos, talento esse que o levou a conhecer o mundo e ser conhecido também, artista/homem para quem a paz é simbolizada pela infância bem vivida que cada criança merece ter, o que me trouxe ainda mais clareza sobre a sua genialidade e lembrei então, de como ele deu a vida pela sua arte, tanto que morreu intoxicado pelas tintas que usou durante décadas para dar cor à suas telas...

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O discurso na íntegra poderá ser encontrado através de sites de busca na internet. Você, leitor, poderá também gostar de outros discursos que MJ proferiu, todos disponíveis na internet.