Fazendo mágica

Eu não me lembro como essa história começou. Até porque resolvi fazer essas brincadeiras quando já era adulta. Eu só sei que inventei de fazer mágicas para a minha sobrinha, a Alessandra. Era tudo muito simples: eu exibia meus poderes sobrenaturais naquilo que ela não conhecia, como a “vassoura mágica”, por exemplo, que era simplesmente uma vassoura com um encaixe plástico que ia absorvendo a poeira extraída do tapete assim que a mesma deslizasse sobre a superfície. Depois, era só abrir o recipiente e jogar no lixo a poeira acumulada.

Mas ela também não conhecia o gás encanado. Acostumada ao fogão acoplado ao botijão , não imaginava como poderia se cozinhar apenas girando o botão do fogão, pois dali saia a chama milagrosamente iluminada, ampla e quente. Eu dizia que essas eram as minhas mágicas e a pequena adorava e acreditava piamente nos meus poderes.

Passados 25 anos nasceu a sua filha. Alguns poucos anos depois resolvi repetir a operação e a mesma deveria ser realizada com sucesso. Mas acontece que a Bianca é de uma perspicácia ímpar, de olhos muuuuuito abertos e não crê facilmente nessas fantasias.

E eu chego a São Paulo. Lá vem ela da vizinha Taboão da Serra, onde reside, nos fazer uma visitinha com a mãe. Mal o carro estaciona, ela olha pela janela e já vem com um decisivo: ”tia Vera, faz mágica”.

Deixo tudo muito bem preparado de antemão. O sabonete finamente elaborado com cacos de outros sabonetes coloridos... foi a transformação da gelatina em...sabonete. Por isso, já deixo o mesmo num cantinho da geladeira.

Derreto – antecipadamente, é lógico - o chocolate e faço com que o mesmo fique deformado, meio torto, desajeitado, com pontas arrebitadas e digo que o chocolate ficou descabelado com a força do meu pensamento.

Ela vai meio que duvidando, mas a curiosidade não deixa a garota calada. Pede mais.

Resolvi fazer a mágica do café; aliás, duas.

A primeira eu tinha preparado cuidadosamente dias antes. Treinando esculpir algumas cabeças, para o exercício da produção em cerâmica, produzi duas cabeças pequenas e coloquei dentro da caixa de café Itamarati. Colei a tampa cuidadosamente. Disse a ela que transformaria o pó de café em duas cabeças e pedi para que a pequena abrisse a caixa. Para a sua surpresa, nada de pó de café... apenas cabeças.

A outra do café: levei para a minha estada em São Paulo a minha cafeteira italiana a tiracolo. Antes, mostrei a ela que não havia água e nem pó na mesma. Eu haveria de ligar o fogo e, em poucos minutos, o café apareceria, quente e agradável ao mais exigente paladar.

Pedi a sua ajuda e quando comecei a ouvir o borbulhar da água eu disse:

- “Repita comigo: borbulhai, café”.

E a pequena repetia.

Bis.

E ela bisou.

- “Oh, café, borbulhai”.

E ela , seguindo a minha orientação, balançava os dedos compassadamente , com as mãos abertas para cima :

- “Oh, café, borbulhai”.

- “Viu????? Viu, Bianca....O que é isso???Cheira”.

Resposta: “café”.

Não tinha jeito: eu era a maga, com poderes místicos , exotéricos e sobrenaturais.

Resolvi perguntar à pequena, em tom confidencial:

-“Você quer ser também uma maga?”

Obviamente a resposta foi positiva, com o olhar grande e curioso.

Mostrei a ela uma carta e que a mesma não saberia ler: era a carta do Príncipe dos Magos de Oklahoma. Na real mesmo, eu copiei do site saopaulominhacidade.com.br um texto escrito em árabe e levei o mesmo como material de preciosa ajuda.

Eu disse a ela que iria ler a carta e que eu faria a tradução e deixaria por escrito no verso da mesma folha para que ela seguisse todas as orientações a risca.

Tudo com atenção extrema, fui “traduzindo”:

“Para ser uma boa maga, você deverá (para o resto da vida):

1 – Respeitar os outros, principalmente os mais velhos e os professores – todos, inclusive o de matemática.

2 – Não falar alto

3 – Estudar muito

4 – Não ser mal educada

5 – Fazer as lições de casa muito bem feitas.

6 – Ler muitos livros.

7 – Não assistir Big Brother em hipótese alguma.

8 – Dormir cedo.

9 – Comer verduras e frutas.

10 – Comer menos doces e refrigerantes só aos domingos”.

E mais um punhado de recomendações.

“Assim, Bianca, só assim, você será a Grã-maga do Taboão da Serra...

Esse será o nosso segredo”...

Até quando ela vai acreditar eu não sei, mas se fizer uma parte das recomendações já estará de bom tamanho...

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 03/02/2012
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