Qual o manejo florestal comunitário que queremos? - Parte I

Gurupá, Casa Familiar Rural no rio Uruaí,

28 de janeiro de 2012.

Caríssimos,

Princípios universais são valores que determinamos como definição, que não geram dúvidas. Já a moral, como diria um filósofo chamado Immanuel Kant, é a ordem do “age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal.”. Partindo deste raciocínio ao percorrer uma região que vai do oeste do Pará, sobrevoando o Xingu, passando pelo Amapá e cruzando o Marajó, percebi que há um princípio do manejo florestal comunitário e talvez uma regra moral: toda comunidade amazônica para fazer manejo florestal madeireiro ou de recursos da sociobiodiversidade deve conhecer seus recursos naturais. Sócrates lhes perguntaria: “conheces a ti mesmo?”.

Em debate sobre o uso florestal madeireiro por comunidades, apresento três exemplos de cumprimento desta regra universal de domínio de sua mata: a COOMFLONA, em Santarém – Floresta Nacional do Tapajós; a comunidade Arimum na RESEX Verde para Sempre e as famílias do Distrito do Itatupã, nas várzeas de Gurupá. Em comum, apesar de diferentes ecossistemas, estas localidades promovem um manejo florestal comunitário madeireiro a partir do real conhecimento originado do levantamento florestal, do que sai, do que fica, do seu valor, do seu potencial. Decidem o que é melhor no inventário, na estrada, no transporte, no comércio, contratando em alguns casos os serviços de arraste e construção de estradas, mas tendo sempre a mão a gestão do processo. Não foi fácil, imagino, chegar a este entendimento interno. É preciso muita conversa, muito compromisso e muita organização.

O resultado deste controle dos estoques florestais são as receitas geradas, os saldos positivos que tem surgido e que tem me ensinado uma valiosa lição de estratégia de manejo e comercialização de produtos florestais madeireiros. Como exemplo, apresento aqui um exercício matemático para melhor entendimento aplicado na comunidade fictícia Timbuí, do líder comunitário Argemiro Monteiro, conhecido como Seu Pirarara, tudo bem pela rama, cabe ao leitor pesquisar a fundo:

- Seu Pirarara, como vocês fazem o manejo? – pergunto.

- Olha seu Carlos, primeiro aprendemos a fazer o inventário, o levantamento naqueles negócios de X e Y, de medir a grossura e a altura de cada árvore, da altura comercial, do plaqueamento, essas coisas. Aprendemo no papel, aquele milimetrado.

- Papel milimetrado? Que coisa mais antiga, Pirarara.

- Mas foi o papel que a gente aprendeu a mexer no tal X e Y.

- Ah, tá.

- Depois da capacitação, escolhemos 100 hectares para fazer o inventário num plano que tem 3 mil hectares.

- 30 anos de ciclo de corte?

- Isso. 30 anos.

- Qual o tamanho de sua área?

- 10 mil hectares do nosso assentamento agroextrativista.

- Tá a terra regularizada?

- Tá. E com o manejo discutido pelas 20 famílias que vivem no assentamento.

- E o que mais vocês decidem?

- A gente decide com orientação de um técnico responsável o quanto vai tirar na mata naquele ano. Na primeira vez, decidimos tirar uma média de 20 metros cúbicos por hectare no manejo.

- Deixa eu vê se entendi. Vocês tiram então 2 mil metros de madeira em tora por ano, pois tu multiplica 20 x 100 hectares ano. Licenciado?

- Licenciado, tá pensando o que? Tudo na letra certa.

- Fiuuuu – assobiei em sinal de positivo - e a quanto vocês vendem o metro cúbico de madeira?

- Olha, a gente leiloa a madeira, onde a venda tem que cobrir o arraste, o transporte e as estradas.

- Quanto é o preço médio?

- Varia muito a depender do tipo da madeira, se é angelim, se é itaúba e aí vai. Vamos dizê que seja uns 200 reais por metro de madeira em tora a média só pra tu fazer a tua conta e entender.

- Então a receita bruta de vocês é de 200 x 2000. Deixa ver, dá 400 mil reais de receita.

- Quem me dera! Aí metade vai pagando o transporte, as estradas, o arraste. Já viu, né? A gente não tem esse maquinário.

- E vocês não têm medo de quem vai arrastar se ache dono do manejo?

- Tu é doido?? A gente é quem decide. Eles só fazem um serviço e nada mais.

- Baixa pra quanto a receita?

- Pela metade. Fica uns 200 mil reais.

- E agora?

- Tem que pagar o engenheiro, ora.

- E depois?

- Dividir. Fica uns 6 mil reais para cada família, trabalhando 4 meses, com aqueles que trabalharam direto no manejo, ganhando as suas diárias além dos seus 6 mil. Um tanto fica pra associação tocar os trabalhos do outro ano.

- Certo. Pra você vale a pena?

- Vale só se a gente tiver organizado e entender do quanto tem na mata e o que vai sair naquele ano. E aí todo ano tem aquele dinheiro nos 4 meses do verão do manejo.

- E o que vocês fazem com o dinheiro?

- Depende. A gente investe na posse, compra criação, porco, melhora a casa, o plantio, essas coisas para o resto do ano. Não vivemos só da madeira. A madeira vem junto com o plantio, a caça, a pesca.

- Todo ano.

- Todo ano se a gente aprovar o plano daquele ano se a burocracia deixar.

- Muito bom, Seu Pirarara.

- É só se organizar...

Após esta conversa com Pirarara, percebi que é possível e que quem deve mandar no manejo é a comunidade. Afinal, depois de tanta luta pela terra, tantas perdas pela regularização fundiária, deixar de mão beijada a nossa floresta para outros tomarem de conta é justo?

É justo aos quilombolas?

É justo aos agroextrativistas?

É justo?

É moral?