A GAROA

A luz do poste estava a meia luz, as sombra deixada era maior do que a figura que a produzia, a garoa era fina porém persistente. O frio corria pela pele e gelava os ossos mas ele não sentia, entorpecido cambaleava de um lado para o outro, seu corpo parecia como um pêndulo de um relógio de parede, a rua parecia mais longa que de habitualmente, em outro estado, já teria chegado no fim da rua e ganho a rua de sua casa.

Parou próximo a parede de um bar, apoiou-se com uma das mãos, a umidade em seu rosto não era da garoa, escorria-lhe pelo rosto uma água que não era da chuva, as pessoas dentro do bar riam-se daquela figura patética, não se aguentava sobre suas próprias pernas, zombavam da quantidade e qualidade da cachaça que ele havia tomado.

Olhou para o alto, desejou que a chuva se tornasse mais forte, talvez assim resfriasse o calor que queimava seu peito, fizesse a dor diminuir, mirou uma linha reta, firmou o corpo e pôs-se a caminhar, uma forte pontada o fez encurvar novamente o corpo, sentiu a vista escurecer, pensou em tudo que vivera até aquele momento, os anos dedicados a empresa, a vida dedicada a esposa, todo sacrifício que fizera para manter aquele casamento de mais de vinte anos, pensou nos filhos criados e lembrou da casa agora vazia, lembrou que a esposa não mais estava a sua espera, o amor tem dessas coisas, não escolhe cor, posição social ou o quanto dera certo um relacionamento, e o amor acontecera para sua esposa, se apaixonara por um homem mais jovem e por isso o deixara, foi difícil para ele ouvir aquilo, as palavras ainda ecoavam em sua mente, nada mais importava-lhe, é curioso como as coisas mudam tão de repente, talvez não tenha sido tão de repente assim, por muito tempo pensou onde teria errado e como deixara isso acontecer, logo ele tão precavido, tão metódico, sempre teve tudo sobre controle sob seus olhos.

Como teria acontecido, quando teria acontecido e onde?

As lembranças do acontecido despareciam em sua mente, sufocava em sua respiração, o coração parecia querer rasgar-lhe o peito, forçou os pulmões na esperança de enchê-los de ar, sentiu o sangue deixar em sua boca o gosto inconfundível de morte, era insuportável, a dor tirava-lhe os sentidos, ainda pode ouvir alguém chamá-lo de bebum e uma voz feminina dizendo, - Este homem está morrendo!

Tudo agora era escuridão, tudo agora era silêncio. Não havia mais dor ou falta de ar, não havia mais vida.

Juninho ainda chegou antes da ambulância que fez sua viajem aflita em vão, quando ajoelhado pôs a cabeça do pai no colo, jazia inerte um corpo sem vida, ainda pensou em por que havia acompanhado a mãe em sua nova vida, se para trás havia ficado a referência de homem, ainda que ausente, mas uma das pessoas que mais o havia amado nessa vida, exemplo de correção, de caráter.

Sentiu a garoa tocar-lhe a pele e o frio entrar em seus ossos, pensou ser aquilo que sentiria toda vez que lembrasse do pai e o buscasse com os olhos, viu quando o funcionário do necrotério empurrou a gaveta para dentro do rabecão, então de estalo lembrou que tinha que avisar a irmã Iarinha e Isaura sua mãe, que o pai havia falecido, o coração que amara tanto, não havia suportado o desafio que a vida lhe apresentara, e o Raimundão, beberrão contumaz, arrependeu-se do desprezo, e agora dizia que se tivessem percebido antes, talvez tivessem salvado aquela vida.

Mas de fato o que pode-se crer de verdade, é que a vida segue e outras histórias hão de acontecer, e outros amores hão de acontecer, ainda que pelo caminho fiquem corações partidos, ou em pedaços, mas muito resistem e sobrevivem, outros sucumbem e morrem.

Renato Cajarana
Enviado por Renato Cajarana em 01/02/2012
Reeditado em 01/02/2012
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