Os amores no Brasil

a Gilberto Freyre

Meu avô paterno era um homem branco lá do Pará. Minha avó paterna era uma cabocla de uma longínqua cidade gaúcha. Meus bisavós, pais do meu avô paterno, também eram brancos, mas não conheço sua história. Meus outros bisavós, pais de minha avó paterna, eram negros africanos que quase foram escravos. Mas o paraense branco se apaixonou pela cabocla gaúcha. E foi festança. Havia uma confraternização de raças. Deles surgiram brancos e pardos, bem que eu desconfiava de meu tio Carlitos, branco igual seu pai e uma atração extrema pelas negras. E como dizia Gilberto Freyre, no Brasil nunca existiu problema nessas uniões entre raças distintas, ao contrário, os brancos brasileiros sempre se deram bem com as belas negras e mulatas tupiniquins. Antes de nos preocuparmos com políticas, ideologias, filosofias, nos preocupamos com as coisas do coração, as coisas do amor. Não nos importamos com o cheiro ou com a cor da pele, queremos o prazer, o gozo, a alegria de desfrutarmos uns aos outros democraticamente. Deixamos para o povo do Norte as complicações da razão e nos entregamos de corpo e alma às delícias da paixão.

Conheci a Camila lá em Salvador. Uma morena jambo que teve o coração conquistado pelo branco português José Tavares. Chamava-a de Chica da Silva. Mas ela tinha honra de ser Camila. José não teve que brigar e nem fugir de casa para se casar com Camila e ter seu amor, seu corpo e sua alma só para ele. Mas teve que brigar com Francisco, pois jamais aceitara perder seu grande amor para um branquelo desengonçado. Porém, Francisco poderia encher de sopapos a cara de José, mas jamais teria o amor de Camila. Até que desistiu. Fiquei sabendo que o negro Francisco conheceu uma loura catarinense e está morando em Florianópolis.

Meu avô era ateu. Minha avó era católica devota de Nossa Senhora da Glória. Camila era umbandista, mas casou-se na Igreja de São Francisco no alto da Sé. José era católico, mas sempre pedia uma força para Ogum, pois se identificava com este orixá em se tratando de amores quase impossíveis. Francisco quase foi pai-de-santo, a loira catarinense presbiteriana conquistou seu coração e deu-lhe uma nova fé. Fiquei sabendo por uma roda de capoeiras do Pelourinho, que Francisco agora é pastor.

O Brasil é um país ímpar, no amor e na fé. Somos diversos, porque isso nos seduz. Aquilo que para os do Norte é utopia, para nós é rotina. Outro dia conversava com um amigo seminarista beneditino. Falávamos das coisas divinas. Encontramos um velho amigo protestante, lá das bandas de Niterói. E ficávamos ali conversando na bela livraria Imperial. Fazíamos heresias gostosas, poesias saudosas, a goladas do café mais saboroso do mundo. Era um ecumenismo natural e não aquele forçado por iluministas rancorosos.

14.01.07

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 14/01/2007
Código do texto: T347075
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