A Intuição do Senso Comum e a Ética

“É um chavão opor, em classe, a filosofia à opinião, e eu fiz isso anos a fio. Depois me dei conta que havia um pouco de má fé nisso: a filosofia, certamente, é uma opinião mais trabalhada, mais rigorosa, mais razoável, mas nem por isso deixa de ser uma opinião.”

André Comte-Sponville, Amor a Solidão

Um dos meus principais deleites na Filosofia, ironicamente, é a possibilidade de analisar a intuição do senso comum coadunando com os principais pensamentos de grandes pensadores. Essa barbaridade intelectual se deve, naturalmente, a minha origem humilde. Quantas vezes minha mãe me explicou questões de ordem prática através dos verbetes populares que ouviu de sua avó? Como poderia, depois de ter contato com Aristóteles, Kant, David Hume, Heráclito, Hegel, entre outros gigantes, me esquecer do recorrente provérbio citado lá em casa que dizia “se a cabeça não pensa, o corpo padece”? Sim, a sabedoria popular tem suas razões intrínsecas e sempre que tenho contato com uma teorização, elas me aparecem para comprovar que a “doxa” não é tão cega quanto julgou Platão.

Você, caro leitor, que lê tal escândalo, pode também participar de um exercício que proponho cuja finalidade é o ludismo. Lembremo-nos de que “lúdico”, por definição, é algo relativo a jogo ou ao divertimento, o que culmina em recreação. Sim, nós encontramos tantos “ismos” para rotular práticas que em geral tem algum sentido pejorativo, mas nesse caso, o sentido é muito sério. Ludismo. Sejamos ludistas ou ludianos, como melhor aprouver o senso crítico daquele que se intitula. Começaremos pelas três grandes linhas da Ética que, caso o leitor desconheça, terá a satisfação em conhecer e do contrário, terá a satisfação em rever. O propósito deste texto ludista é identificar provérbios populares que versem a respeito de três formas basilares de ética: Ética das Virtudes, de Aristótes, Ética Deontológica, de Kant e Utilitarismo (uau! mais um ismo), vamos a elas.

A primeira das Éticas, a Ética das Virtudes foi melhor teorizada por Aristóteles, mas foi a noção de ética que predominou na Grécia Antiga. O agente deveria ser considerado virtuoso pelo seu grupo social. É muito simples: se o agente é virtuoso, logo, é reconhecido pelo grupo. Para este princípio de ética, não há quem desconheça o seguinte dito popular: “Em terra de cego, quem tem olho é rei”, naturalmente. Já no caso da Ética Deontológica, incontestavelmente desenvolvida por Kant, diz respeito sobre o dever moral. Este “dever” é um dado a priori, ou seja, é uma lei natural da razão, que todos nós, seres humanos, já possuímos uma intuição de bem na nossa própria constituição psíquica. Este dever moral, intrínseco a nós, se realiza numa ação pura, desinteressada. Ora, que melhor provérbio eu encontraria se não “de boas intenções o inferno está cheio”? E finalmente, a questão do Utilitarismo que por ser contemporânea, vou poupar os principais pensadores, uma vez que estamos vivenciando esta compreensão ética em vários setores de nossas vidas capitalistas. À ética utilitarista não importa tanto a ação quanto o resultado dela, e inclusive, o maior número de pessoas que consigo beneficiar com a minha ação. Já se faz clara a intuição do senso comum que diz “mais vale um pássaro na mão que dois voando”.

Ao final deste texto banal, que tem a função de exercer as faculdades mentais superiores – ainda que um tanto ociosamente – o leitor pode se sentir convidado a praticar seus conhecimentos proverbiais e encontrar outros tantos ditados populares que versem tão bem ou se não melhor que as escolhidas para este espaço. Caso não consiga, até mesmo por uma questão de preferência ou reticências, não nos intimidaremos com isso: já dizia Descartes que, o que diferencia os homens, por sua vez, é a aplicabilidade da razão, ou como o povo costuma dizer por aí, cada cabeça, uma sentença.