Foi em [Outro] Janeiro...
Parece que foi ontem, mas foi em outro janeiro, distante vinte e três anos, que Michell, segurando a mão de seu pai e seguido por sua irmã entrou lá em casa. Era quase madrugada. Ele com olhos vivos e curiosos observava tudo. Procurei agir naturalmente, mas estava tão nervosa quanto eles. Eram os filhos de meu esposo que chegavam, pela primeira vez, para passar férias comigo.
No dia seguinte, enquanto amamentava meu filho ele se aproximou e disse que não podia gostar de mim, pois sua mãe havia dito que eu era uma pessoa ruim. Engoli em seco e sorri. Disse que não tinha problema, eu ia procurar gostar dele do mesmo jeito. Ele riu e saiu. Voltou alguns minutos depois e perguntou se era verdade que eu odiava sua mãe. Disse que não, não podia odiar uma pessoa que eu não conhecia. Pois ela odeia você, respondeu ele, sempre sorrindo.
Percebi que teria pela frente umas férias com grandes desafios. A tarde saímos para passear. Era festa do padroeiro e fomos levá-los ao parque. Como meu filho estava com apenas um mês sugeri a Omar que fosse com seus filhos para o parque e me deixasse na casa de minha irmã, que ficava próximo ao parque, com o nosso bebê. Na volta, quando foram me pegar ele me olhou sorrindo e disse que queria me contar um segredo. Suei frio.
À noite, após colocar meu filho para dormir, fui conversar com eles. Ele brincou, assistiu televisão, tomou banho e foi dormir. Pensei que o assunto estivesse esquecido. Mas, no dia seguinte, assim que seu pai saiu ele perguntou se eu guardava segredo. Disse que sim. Em seguida ele perguntou em tom confidencial: eu posso gostar de você escondido? Senti uma ternura enorme e prometi que não contaria nosso segredo a ninguém.
Omar, feliz por perceber que estávamos nos entendendo, sempre que podia me perguntava sobre o que conversávamos tanto, mas eu desconversava. Não revelava nosso segredo. Não podia colocar em risco a tênue confiança que começava a conquistar. Apesar das dificuldades comuns nestas situações o mês transcorreu em paz e nos despedimos como bons amigos. Na saída ele disse que voltaria para morar lá em casa. Anos depois ele cumpriu a promessa.
Foram muitas idas e vindas. Tivemos alguns problemas, mas, no geral, respeitávamos um ao outro. Hoje, se vivo ele fosse, faria trinta anos, mas aquele fatídico acidente levou-o para outra dimensão e outro Michell, desta vez meu neto, chegou, também em janeiro e já conquistou meu coração.
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Parece que Foi Ontem. Saiba mais, conheça os outros textos: http://encantodasletras.50webs.com/parecequefoiontem.htm
Imagem: Omar e Michell no último natal que passamos juntos.