Diálogo muito louco

O aposentado reclama do valor dos raquíticos proventos, depois de descontada a parcela da dívida contraída para tratar da saúde. Incomoda-se com a compra do medicamento destinado a amenizar os males da velhice e ainda se aborrece ao dialogar com os jovens. Outros dissabores, próprios da vida ociosa, aumentam-lhe o desgosto diário.

Estou nessa fase difícil da existência. Reclamo de todos os inconvenientes acima mencionados e ainda me indisponho com filhos e netos, genros e nora, desatentos às orientações que lhes transmito, baseado em sete décadas de experiência. Julgo-me capacitado a orientá-los e incapaz de ser atendido em oportunas recomendações. O diálogo com os mais novos, como disse, não é fácil.

Não tenho afazeres a realizar. Limito-me a administrar a casa, na ausência de minha mulher, jovem senhora de quase setenta anos, dedicada ao trabalho e à família. Sua vida longeva é um prêmio à bondade de seu imaculado coração. Sou seu eterno apaixonado, orgulhoso de tê-la ao meu lado por meio século de nossa feliz união.

Viajo com certa frequência, para espairecer. Nessas oportunidades, encontro-me com parentes e amigos, um número bastante reduzido, pois a morte lembrou-se de alguns antes de minha tardia chegada para abraçá-los em vida. Uns viajaram antecipadamente, em decorrência do viver irrefletido. Outros, não resistiram ao chamado do Pai e partiram para a morada eterna. Lamento a recente perda de dileto amigo, vencedor, como eu, das ingentes batalhas travadas para acessar os íngremes degraus da escala social.

O que o velho diz, nem sempre é bem entendido, principalmente pelos jovens, que pouca ou nenhuma atenção lhe dispensam. Reconheço a dificuldade de alguns idosos em formular ideias, articular palavras e entender questões complexas, nesse mundo de transformação rápida. Pessoas de avançada idade, às vezes se metem em confusão, ocasionada por males senis.

Um vizinho meu, Zequinha, de oitenta e cinco anos, excetua-se das pessoas de equiparada idade. As confusões em que se envolve decorrem de seu estado de espírito. O homem é um eterno gozador. Certa feita, sentado à mesa de um bar, atendido por outro ancião, respondeu-lhe a indagação, comum a todo garçom:

– O que o senhor toma?

Zequinha respondeu em tom jocoso, porém, sério:

– Tomo um comprimido diário para controlar a pressão arterial; outro de sinvastatina, que baixa o nível do colesterol ruim, o LDL; aspirina, contra a coagulação do sangue, o infarto e o derrame cerebral; vitaminas, com vistas a fortalecer o organismo; e o ônibus, que me leva à rua e me conduz de retorno ao lar.

– Eu quis dizer, do que o senhor gostaria?

– Na minha idade, amigo, é difícil ser exigente. Mas, gostaria de arranjar uma namorada, nova e bonita, pois fiquei viúvo há pouco tempo. Com mais de oitenta anos, somente um milagre me faria conseguir uma beldade daquelas do programa do Faustão.

– Pergunto o que o senhor deseja beber – insistiu o garçom.

– Ah! É isso? O que você tem?

O garçom era um velhinho beirando os oitenta anos, que ainda trabalhava para complementar a aposentadoria do INSS, insuficiente para fazer face às despesas da casa, na qual residem, sem emprego, o filho mais velho e uma nora, viúva, com três crianças. Manolo, assim é conhecido o barman, descende de família espanhola, radicada no Brasil, fugida da ditadura de Francisco Franco. Depois de ajeitar a gravata de laço, respondeu Manolo:

– Eu? Não tenho nada, senhor. Estou chateado porque o meu time, o Flamengo, está na rabeira do campeonato carioca. Só isso!