Yasmin já é quase uma moça

 

Mal chegamos à praia para iniciar a temporada e a minha filha Mariana, então com nove anos, como sempre fazia, saiu no encalço das amigas no prédio. Não demorou, voltou com uma criança de uns dois anos no colo.

 

- Esta é a Yasmin, filha do novo zelador - apresentou.

 

Não sei se resultado da mistura germânica, eslava e ibérica, vinda da ascendência alemã do avô paterno, russa, do materno e portuguesa de ambas as avós, ou simplesmente porque a mãe, de tão bonita, foi eleita miss em sua cidade. O fato é que estávamos diante de uma criança linda. E muito esperta.

 

A Yasmin passou a ser presença constante nas nossas temporadas de praia e fugidas durante o ano. Era Natal, não esqueçam o presente da Yasmin. Páscoa, o chocolate da Yasmin. Feriadão da Pátria, em setembro, o presente de aniversário da Yasmin. Em outubro, o dia das crianças da Yasmin.

 

Um dia notei a grande cicatriz no pequeno tórax, sobre o externo. Perguntei à mãe o que tinha sido.

 

- Cirurgia do coração logo que nasceu. Sobreviveu por milagre. Sofremos muito. Agora está bem.

 

Foi crescendo, já podia sair conosco. Na praia, cuidado com o sol. Muito branquinha esta menina! Sorvete, nem sempre. Problemas de alergia desencadeavam frequentes infecções de garganta.

 

- Seu João, a Yasmin não pode tomar sorvete - a mãe recomendava. Por favor, então compre um churro para ela.

 

Na sorveteria, todo mundo regalando-se com sorvetes, para amenizar o calor, e a Yasmin lambuzando-se com um churro quente sob olhares curiosos. Mas ela entendia numa boa. Não reclamava nem fazia birra. Acho que até preferia churro.

 

Entrava em casa e já ia pedindo:

 

- Tia, tem banana?

 

Comia logo duas ou três.

 

No supermercado, alguém lembrava: não podemos esquecer as bananas da Yasmin.

 

- Yasmin, vamos almoçar...

 

- Xiii! Não como camarão.

 

- Yasmin, você é do litoral. Não come camarão? Faz mal?

 

- Não gosto. Não como. Tem ovo ou miojo?

 

Às vezes, quando ela chegava, eu provocava:

 

- Yasmin cara de capim!

 

Sempre tinha bala na agulha. Nem pensava e respondia de pronto:

 

- Tio João cara de feijão!

 

Então, ríamos e nos divertíamos um com o outro.

 

Uma vez, a Mariana no meu colo buscando carinho. A Yasmin, paradinha, em pé. Olhava com seus olhinhos azuis e a carinha de quem está diante de uma vitrine de confeitaria, namorando o doce que não sabe se vai poder comprar ou ganhar.

 

A Mariana, satisfeita com os cafunés, desocupou o trono. A Yasmin se aproximou, meio sorrindo, meio sem jeito:

 

- Tio, posso ir no seu colo um pouquinho?

 

- Claro, Yasmin, venha...

 

Aninhei-a, acariciando os seus cabelos loiros, macios como algodão. Ela relaxou soltando o corpinho e, com os olhinhos semicerrados, balbuciou:

 

- Meu pai nunca me pega no colo...

 

- Mas não é porque ele não gosta de você, Yasmin. é só o jeitão dele. Ele a ama muito, eu sei disso. Um dia, quando ele estiver sentado na frente da televisão, procure o colo dele. Você vai ver. Vai esquecer a televisão.

 

Mudamos de prédio. A Yasmin sempre nos visitando. Pai ou mãe a levavam. Algumas vezes trazia o pijaminha. Mas no dia seguinte, logo que acordava, queria ir embora.

 

- Estou com saudade da minha mãe...

 

Num carnaval, a mãe me preveniu:

 

- Seu João, não deixe a Yasmin sair sozinha com a Mariana. Tenho medo que a roubem. Tem muita gente por aí. Perigoso demais.

 

- Sossegue, só saem comigo. Não deixo ninguém chegar perto.

 

Se chovia com trovões:

 

- Está dando cada troviada, tio?

 

Na rua, se via um carro parecido com o do pai:

 

- É o "fuca" do meu pai!!

 

O ano que passou (2011) não foi bom para Yasmin. Os pais se separaram e ela reprovou na escola. Agora se divide entre a casa do pai e da mãe.

 

Nesta temporada, ainda não a tinha visto.

 

O interfone tocou, atendi. Reconheceu minha voz:

 

- Tio, é a Yasmin. A Mariana está?

 

- Oi, Yasmin. A Mariana foi para Camboriú com a prima.

 

- Ah! Queria ficar com ela um pouco.

 

- Quando ela voltar, peço para ligar. Está bem?

 

- bom, tio. Um beijo.

 

Corri para a sacada a fim de ver Yasmin e saber com quem ela tinha vindo. Desta vez ninguém a trouxe. Lá de cima a vi pedalando a enorme bicicleta vermelha da mãe, indo na direção do prédio onde o pai ainda mora e trabalha.

 

Meu Deus! A Yasmin sozinha na rua! E de bicicleta. Alguém chame os bombeiros, a polícia, a tropa de elite, o resgate social, qualquer coisa...

 

Fui seguindo-a, com os olhos, até o fim da rua. Contive meu exagero e caí em mim, quando percebi que a bicicleta nem era tão grande. E que ela pedalava com bastante desenvoltura e segurança, sentada direitinho no selim.

 

A Yasmin cresceu. Já é quase uma moca.

 

 

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N. do A. - Na ilustração, Yasmin, uma bela menininha que nasceu e vive em Caiobá, uma praia do Paraná, e que na época da publicação desta crônica já era quase uma moça.

João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 17/01/2012
Reeditado em 17/05/2022
Código do texto: T3445712
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