Bons Tempos

Acredito que cada criatura tem ou teve tempos que hoje lembra com muito carinho e saudade. O meu tempo que me traz uma saudade gostosa foi, já em fins de 1945, com 11 anos. Eu ia trabalhar no Bar do senhor José Augusto Coelho. O que eu tinha de idade ele tinha de Brasil. Português forte ele ainda falava com sotaque bem falado lá da terra de Camões. Gentil, honesto e franco com todos os fregueses que frequentavam o nosso bar café e refeições. Ele era a atração do estabelecimento. Tinha resposta para tudo, e aceitava com esportividade as brincadeiras sobre portugueses.

Eu, para chegar no Bar que ficava na Rua Treze de Maio esquina com a Rua Saldanha Marinho, tinha de tomar o bonde na Rua Sales Oliveira, em frente ao grande armazém dos Bonturi, e geralmente o bonde 1, da Vila Industrial, tinha como cobrador o 54 que era muito conhecido de todos, naquele horário, 6:15 da manhã. Certo dia ele me disse “fique na cozinha do bonde (que era a parte traseira do veículo) que eu não cobrarei sua passagem”. Pois menores também pagavam passagem, e para ludibriar o cobrador, pulavam do bonde andando e faziam o resto do caminho a pé ou pela Avenida Andrade Neves, por onde passavam outros bondes, como o número 8, do Bonfim e o número 9 do Botafogo, e pegavam outro bonde e iam até o cobrador se aproximar deles. Eram muitos meninos que trabalhavam em todas as lojas da Treze de Maio.

Eu nunca fiz aquilo, pois o meu patrão me dava dois passes de bonde, todas as noites, antes de eu ir para a minha casa. Eu entrava ás 6:30 e ia até as 20:00. Almoçava e jantava no Bar. O meu serviço no bar era cumprimentar o senhor José e os outros garotos que já haviam chegado, colocava o meu avental que era um paletó branco, que chegava bem abaixo da cintura e ia revisar as marcas de cigarro que estavam faltando e ver também o estoque de cervejas e de refrigerantes.

Eu anotava tudo e passava ao senhor José que fazia algum comentário sobre determinados cigarros ou cervejas. Logo às 7:30 chegava o furgão do Café São Joaquim que deixava 10 quilos de café. Isso a cada dois dias. Se sobrassem alguns quilos eles levavam embora e deixavam novos pacotes. Depois ás 8:00 h chegava o caminhão da Cervejaria Columbia, com a cerveja preta de meia garrafa, a famosa Mossoró, de grande aceitação na época. Tinham as cervejas de garrafa comuns como a Pilsen, a Pilsen Extra, a Strassburgo, a Duquesa, a Hamburguesa, a Malzbier e o Guaraná Cristal, também muito bom.

Depois vinha o caminhão da Antarctica com suas cervejas muito apreciadas; a Antárctica, a Pilsen Extra a Malzbier e o melhor guaraná da época, o Guaraná Champanhe da Antarctica. No inverno traziam também a cerveja Tip Top, tipo européia, muito forte. Às 9:00 era a vez de chegar o caminhão da Brahma. A Brahma era, geralmente, a preferida da época. Era a cerveja branca mais apreciada. Tinha a Brahma Extra, a Brahma Porter, a Cerveja Polar, e a melhor Malzbier do Brasil. No inverno traziam a Bul Book, muito forte.

Então entre as 6:30 e as 7:00 eu tinha de anotar tudo o que havia saído e o que não saíra, como por exemplo a cerveja Brahma extra que duas dúzias levavam um mês para vender. Eu peguei tanto o jeito com a coisa que o Senhor José deixava por minha conta atender os caminhões de cervejas. Outra cerveja que vendia muito naquele tempo era a Caracú, cujo vendedor passava às segundas e às sextas feiras. Então eu tinha de calcular as compras para não faltar o produto. A Caracú vinha de Rio Claro e como conhecia os apreciadores da cerveja, comprava sempre uma caixa a mais. Assim, o pedido era a medida certa.

E falando em bons tempos esse foi um tempo que eu nunca irei me esquecer. Entrei no Bar em 1945 e sai em 1949 e podem ter certeza que foi muito gratificante e que dele só ficou saudade.

Laércio
Enviado por Laércio em 24/12/2011
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