Não quero estar no meu próprio funeral

Funerais e enterros são coisas muito estranhas. Hoje como é dia de finados, ocasião em que todos vão aos cemitérios relembrar as pessoas que já se foram, parei para pensar a respeito disso.

Em primeiro lugar, não tenho este hábito de ir a cemitérios. Meus avós não foram enterrados na cidade onde residi grande parte da minha vida, quando falecia mais alguém da minha família também não era enterrado aqui. Assim, no dia de finados não tínhamos a quem visitar no cemitério local, e não adquiri este hábito.

Após o falecimento de alguns familiares mais próximos, estes sim foram enterrados aqui, com grandes honras, diga-se, comecei a ter alguém para visitar.

No primeiro ano eu fui, mas não me senti a vontade, tive a sensação de que era tudo muito estranho, e que não fazia parte de mim estar ali.

Já fui a muitos funerais e enterros na vida, alguns muito tristes, e outros onde dei gargalhadas (não pelo defunto ou pela família diga-se), sinto muito, mas acontece.

Antigamente, eu avisava a todo mundo que no meu funeral, gostaria que dividissem a sala, e de um lado colocassem as pessoas mais religiosas, com seu café e biscoitos, e de outro lado, as pessoas que como eu não dispensam uma latinha gelada de cerveja, e é claro um freezer lotado delas para que bebessem a defunta (no interior, dizem que os mais próximos tomam cachaça “bebendo o defunto” acredito que deva ser “bebendo ao defunto” ou seja em sua homenagem).

Teve também um tempo, que eu e minha alma caridosa, resolvemos ser doadoras de órgãos, qualquer um que prestasse, mas já não sinto que seja legal.

Meus órgãos andam uma porcaria, e acredito sinceramente que doá-los seria uma sacanagem com quem os recebesse.

Pensa: a pessoa fica um tempão esperando por aquele órgão, sei lá, um fígado, e quando tá na vez, recebe o meu?

Se fosse eu a recebê-lo, juro que declinava. Assim, como dizer, passava a vez, sei lá.

A pessoa que recebe tem que saber de quem recebe para ver se aceita. Vai que é uma porcaria de fígado, de algum louco hipocondríaco, etc. Olha quantos casos podem ser. Desculpem, mas não vou passar a vergonha de ver, depois de morta, meus órgãos serem recusados. Por enquanto eles vão dando para o gasto.

Existem as pessoas, não sei se é modismo, que querem ser cremadas. Aí eu pergunto: São indianos ou são ricos? Pelo que sei, cremar só é barato na India, que tem o Rio Ganges e muita madeira, cremam e depois jogam todo no rio pra virar ração de peixe (tudo bem que eles falam outra coisa). Mas no nosso país tupiniquim, pra cremar precisa de uma grana, muito mais caro que enterrar. Só conheço casos de ricos sendo cremados. Como realmente não é meu caso…

Agora, estou mesmo decidida. Não quero estar presente no meu próprio funeral.

Vou fazer um documento que me dê o direito de ir pra outro lugar.

Estou pensando seriamente em ir a algum lugar onde possa ser útil. Provavelmente em uma faculdade de medicina.

Ao pensar sobre a possibilidade de ir à faculdade depois de morta, já fico animadinha. Nada como pensar em voltar pra faculdade depois de velha. Tá bom, alguns dirão: Mas nestas condições não vale.

Vale sim, sempre quis fazer medicina, e sempre pensei em ser apenas uma observadora, nunca me imaginei médica.

Tô começando a achar que a solução será perfeita.

Além do mais, em qual corpo os professores vão poder explicar as cirurgias por que já passei? Olha só que legal.

Já imagino a cena:

“_ Atenção alunos, esta mulher foi submetida a uma cirurgia bariátrica. Observem como seu estômago foi dividido, e seu intestino desviado para absorção de metade do que poderia ingerir.

E os alunos, interessadíssimos:

_ Fessô, mas porque o fígado dela é tão depredado?

_ Vamos deixar este assunto para outros especialistas.

E sai de fininho.”

Mas é séria a minha intenção. Vou procurar saber como doar meu corpo inteiro.

Já agora, fiquei bolada com outra coisa. Alguém sabe o que acontece quando aquele corpo, que foi duramente estudado, e é claro completamente dissecado, não se presta mais aos estudantes? Quanto tempo dura um corpo na mão deles? E o que fazem com aqueles restos mortais?

Droga, acho que não vou conseguir me formar em medicina.

No final, desconheço quem obedeça ordem de defunto, nem em vida me obedecem. Já que não vou ter voz ativa mesmo (não vou ter voz nenhuma, tô morta!), melhor deixar as coisas seguirem seu curso, e rezar pra morrer em acidente aéreo, de preferência indo pra um lugar bem legal.

As pessoas comentando:

“_ Sabe quem morreu?

_ Nããooo!

_ Pois é, estava num vôo para Paris…”

Cinthya Fraga
Enviado por Cinthya Fraga em 21/12/2011
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