JÁ NASCI VELHA

Muitas pessoas já comentaram comigo que tenho um espírito de gente velha. Não sei bem como isso acontece, mas devo admitir que é verdade.

Desde muito nova que sou velha.

Quando ainda criança, vendo os adultos conversarem, perdia totalmente o interesse pelas brincadeiras e gostava de ficar ouvindo a conversa deles. Só que ao contrário do que acontece hoje, naquela época, tinha “conversa de adulto”, onde criança não podia sequer ficar por perto. Lembro muito bem que quando algum adulto me percebia ouvindo as conversas deles, num minuto falava: “isto não é conversa para crianças, vai brincar em outro lugar”.

Era o que chamávamos de pito, saíamos correndo de perto e íamos procurar outra coisa pra fazer. Eu sempre indignada. Afinal já era uma velha naqueles tempos de criança.

Nunca fui de brincar muito. Bonecas nunca foram meu forte. Correr, nem pensar. Gostava mais de fazer comidinhas. Coisa de gente velha.

Sempre gostei mais de ler e ficar quieta no meu canto.

Hoje penso que sempre tive uma pressão arterial meio baixa, o que talvez justifique aquele meu comportamento infantil, e desculpe, minha situação de velhice aguda.

Sou rabugenta, ranzinza e ranheta. Crítica de tudo e de todos.

Estou ainda em uma idade cronológica pequena, mas minha velhice já vai a mil anos. Tenho vasta experiência em ser velha na alma sem o ser na idade.

Pra discutir comigo, tem que ser muito didático, saber mesmo do que está falando, e principalmente escolher um tema do qual eu realmente não tenha nenhum conhecimento. Mas cuidado, pode ser que eu te escute e nas suas próprias palavras você acabe se traindo, o que me dará imenso prazer em discutir o que você mesmo falou de errado.

Coisa de velha.

Sou tia velha. Daquelas que fazem pavê e lasanha para os sobrinhos. Das que fazem tudo que podem para agradar, mas não se seguram ao falar o que pensam. Muitas vezes amargando o pavê.

Minha língua solta, e minha forma de agir, muitas vezes magoa as pessoas sem que eu sequer perceba.

Tenho um amigo que me disse o seguinte: “Você tem a sutileza de um elefante correndo no meio da manada”.

Pois bem, ao concordar solenemente (coisa de velha) com ele, ainda digo a mim mesma que minha situação de ser velha pode encobrir meus defeitos algum dia.

Ninguém neste país condenaria uma velha por suas palavras, mesmo que estas sejam cortantes e azedas.

Me sinto completamente desculpada pelos que ainda convivem comigo, e peço desculpas aos que simplesmente não aguentaram minha velhice.

O que me espanta ainda são as pessoas que não conseguem aceitar a condição da minha velhice. Não suportam a ideia de que já nasci velha. Simplesmente não respeitam esse fato insuperável.

Não, não quero sair!

Não, não quero ir atrás do trio elétrico. Sou absolutamente velha! E adoro essa minha condição.

Cinthya Fraga
Enviado por Cinthya Fraga em 20/12/2011
Código do texto: T3398064
Classificação de conteúdo: seguro