A ROTINA NOSSA DE CADA DIA.

Por Carlos Sena

 


 
A rotina em nossas vidas vira rotina. Por isto fica difícil entender que há pessoas que vivem dando receitas de felicidade estimulando os outros a “sair da rotina”... Sair dela por ela mesma é melhor ficar, pois na vida tudo se repete inclusive as estações, os anos, os dias, os minutos, tudo. Quem não se repete é a pessoa humana em sua estrutura singular (DNA), salvo melhor juízo. O resto se repete e vira rotina, independente de nós e das vontades de não entrarmos nela. Cada um tem que se virar como pode pra resolver a rotina da vida. O sentido do novo é sempre bom e nos provoca excitações diversas de expectativas. Conhecer uma nova pessoa é um pouco disto, mas com o tempo se descobre o óbvio, ou seja, tudo toma um ritmo que se repete, mesmo se tratando de um grande amor. Encontrar um grande amor não nos isentará de rotinas. O grande diferencial é que numa relação que se possa assim dizer, novo contexto se insere: o da confiança e do exercício diário de conviver com outro o aceitando como é.  MESMO assim, entender que um grande amor supera rotinas é correr risco conceitual equivocado. Pode ocorrer, mas não necessariamente, posto que a vida a dois nunca seja totalmente dos dois, mas de cada um com sua própria natureza de ação. Distante de querer dar dicas disto, algo deve ser vital para que as nossas rotinas caminhem bem conosco: não se escravizar disto, como muitas pessoas que, a despeito de manterem relacionamentos, tudo inventam pra sair da rotina. Imagino que se sai da rotina quando se deixa de querer rompê-la com excentricismos. Dito diferente: a vida se repete todos os dias, mas nunca no mesmo tempo e nos mesmo espaço! A gente tem que mudar sempre se quiser ser o mesmo! Compreender cada momento é fundamental. Compreender o momento do outro é mais fundamental ainda, mesmo que esse outro não seja o nosso grande amor da vida. Fazer da vida uma grande festa interior é fundamental. Toda rotina se estabelece em sua forma clássica quando nós nos escravizamos do medo, de religiões dominadoras, de relações afetivas doentias ou de núcleos familiares castradores. Só com liberdade se constrói uma rotina própria, capaz de nos deixar aptos para que, quando nova rotina se interpuser a gente se “repaginar” e se permitir a novos horizontes.
A gente não precisa dar bom dia a esmo. A gente precisa ser bom dia apenas. A gente não precisa reclamar da chuva, porque depois dela vem sempre o sol. Tampouco reclamar dele, porque ele prenuncia a noite e no seu colo adormece com o codinome "por de sol". A gente não precisa “bater o ponto” todo dia na cama com o marido ou com a mulher – mas despertar em ambos o sentimento de que sexo é bom, mas sexualidade é melhor, permanente e duradoira. A gente não precisa ir pra Europa como forma de salvar o casamento – casamento que precisa de salvação já está condenado ao fracasso. A gente não precisa, a despeito de sair da rotina, jantar fora em restaurante caro. Neste caso, sai-se da rotina indo pra cozinha a dois e fazendo uma nova iguaria, mesmo um ovo frito com criatividade, depois deglutindo sentados no chão da varanda... Mas se pode da mesma forma ir ao tal restaurante, desde que isto não vá além do que pode ser enquanto justificativa furada de salvar alguma coisa que esteja se repetindo. Afinal, se um beijo é bom, por que não repetir? Se uma pegada é boa, porque não se permitir a ela "repetidamente"? A gente come todo dia feijão com arroz e não enjoa – essa é uma opinião geral que deve ter exceções. Mas a gente tem que se quedar às evidências: a gente não aguenta almoçar todo dia PIZZA, porque logo vem aquela vontade de querer o nosso “mulatinho” com arroz e bife. Talvez a grande lição contra a rotina estafante seja a do nosso mulatinho. Se você sonha com um “Gianechini”, contente-se com o ”arroz” que está por perto e talvez você nem esteja vendo. Se você sonha com uma “Lady”, idem. Tendo ao seu lado o feijão com arroz, logo o “bofe” (bife) virá por consequência. E se o feijão lhe abusar de ser feijão e o arroz de ser arroz, uma dica: faz uma feijoada, um arroz doce, etc. Até que nova rotina te chame à criatividade.