O PERU QUE NÃO ERA DE NATAL!

Todo o ano, sempre que as festas natalinas se aproximam, sem forçar a minha memória, sempre a figura apetitosa de um peru que ficou intacto sobre uma mesa, vem à tona. Inclusive este fato faz parte das minhas reminiscências do tempo em que eu estudava para ser padre. É isso mesmo. Frequentei o seminário durante seis anos consecutivos, sempre imbuído do desejo de concretizar o ideal sacerdotal.

Desde o começo da minha adolescência, aos 12 anos, fui estudar num colégio interno denominado Pré-Seminário. Foi um período de muito júbilo e boa aprendizagem, onde o estudo era a mola primordial na minha formação religiosa, intercalando com momentos de folguedos sadios, juntamente com os meus colegas seminaristas. Levávamos uma vida normal, mas bem reservada, pois a nossa atividade social era bastante restrita. Sempre bem orientados por uma equipe de professores capacitados e exigentes, assim como sempre bem acompanhados 'pari passu' pelo nosso reitor, cuja disciplina era administrada quase como se fosse um quartel. Mas até aí, nada demais. Afinal, tinha lógica, pois o nosso objetivo era ser soldados de Cristo.

Todo este preâmbulo para só agora citar o caso do peru que não era de natal. Fato este que aconteceu no final do ano letivo de 1965, no último dia em que ficaríamos no seminário, pois iríamos sair de férias. Então, nesta ocasião, a nosso cozinheira nos deu um "presente de grego", ou seja, nos trouxe, no período matutino, um enorme peru vivo com o pedido para que o matássemos. Ficamos num beco sem saída. Um olhou para a cara do outro e começaram as evasivas. E a coragem para fazer aquilo, quem a tinha? E o jeito, a tática? Na realidade, ninguém ali sabia por onde começava a tal degola daquela ave gigantesca. Enquanto estávamos em dúvida, o peru parecia inquieto como se adivinhasse que naquela manhã teria um triste fim. E não parava com o seu glu-glu incessante.

Neste ínterim de indecisão coletiva, eis qlue alguém deu uma sugestão:

-Eu já ouvi dizer que antes de matar um peru tem que dar pinga pra ele! - disse um colega.

-Grande ideia! - argumentou outro - mas quem se habilita entrar num bar e comprar uma garrafa de aguardente? Quem?

-Tem razão - completou o terceiro - se um de nós for comprar pinga é o mesmo que se entrasse num prostíbulo! Não haveria desculpa que se justificasse!

-A difamação e a calúnia seriam irreversíveis - finalizava outro.

Enquanto esta polêmica literária e repleta de teoria não resolvia nada, a dona Zelina, a cozinheira, voltava da sua labuta, confiante que o peru já estivesse morto. Vendo-o pra lá e pra cá no saguão do prédio, sendo vigiado pesarosamente por todos nós, ela demonstrou certa impaciência e falou sério:

-Deus vai me perdoar, mas vocês não são de nada mesmo. Pelo visto, não servem mesmo para se casar. Onde já se viu, só falam, falam e não tomam uma atitude! Vocês estão estudando para salvar gente como eu e não um peru como este!

E dizendo isto, da mesma maneira que o trouxe, levou-o vivo e fazendo glu-glu, como se fosse motivo de alívio por ainda estar vivo. Eu disse "ainda", pois depois de alguns minutos, uma amiga dela pôs fim à vida daquela ave, que logo foi para o forno.

Enquanto isto, pouco a pouco, os nossos colegas iam deixando o seminário, rumo às suas respectivas cidades e como num passe de mágica, logo o prédio ficou vazio. Só eu fiquei para contar esta história.

Por causa daquela dificuldade inicial para matar o tal peru, o almoço daquele fatídico e último dia daquele ano letivo, só saiu quase na hora que seria o jantar. Quando fui informado que estava tudo pronto, fui tentar comer algo por pura educação, pois o meu apetite já ido embora, juntamente com os meus colegas. Uma angústica parecia me sufocar. E tudo isto aumentou quando vi aquele apetitoso peru sobre a mesa, o qual ficou intacto. Agradeci o esforço, a dedicação da dona Zelina, mas confessei que não estava com fome para provar daquele peru que não era de natal. Quem o saboreou naquela oportunidade, não tive a menor ideia. Mas, mesmo sem saber, só poderia desejar um bom apetite!

JOBOSCAN

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Enviado por JOBOSCAN em 09/12/2011
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