HOMENS DE RUA (EC)
Estão por ali! Por aqui! Por aí!
Olhar ao infinito!
Palavras ao vento, conversas sem resposta que imagina ouvir.
Pede algo a todos, como se nada pedisse.
Pouco precisa.
Prato de lata... Copo de vidro... Saco plástico... Sacola de pano...
Uns cheios para esvaziar dentro de si.
Outros vazios para encher de nada de si.
Coleções de lixo inútil?
Valor inestimável para ele.
Toma conta do espaço público.
Aluga vagas para carro.
Discute política.
Canta sempre a mesma canção, na confusão de freqüências cerebrais mal sintonizadas.
Solta com alarde um palavrão, rindo como o final de uma piada sem graça.
Trágica.
Sem sentido, a vida segue igual e rotineira.
Escureça ou amanheça.
Eles ali... Aqui... Por aí...
Quantas vezes o Sol nasceu, saberia de cor, se lembrasse para que serve contar.
No limite de sua agilidade mambembe, abaixa-se.
Molha com os lábios a ponta da caneta sem carga recolhida como uma pérola.
Tenta rabiscar a folha de papel amarfanhada retirada da sacola de pano.
Houvesse tinta, não teria nexo seus escritos.
Tivesse nexo, para quem enviar e dizer de sua aflição que não sabe aflito?
Caneta ao fundo do saco plástico.
Confere o copo meio cheio e afasta as moscas do prato.
Enche a mão da mistura e devora sua ceia.
Deita-se na calçada, cuidando não atrapalhar a passagem, para distraídos não lhe pisem.
Noite anuncia-se gelada.
Protege seus pertences da chuva fina e do vento.
Assistente social aproxima-se.
Tenta convencê-lo a entrar na perua que recolhe os moradores de rua nas noites mais amargas.
Em vão.
Insiste um pouco.
Entre tantos argumentos desconexos, na verdade ele teme que lhe tomem o lugar.
Caminha em direção ao seguinte.
Ele volta a se deitar.
A cabeça em sua loucura escondida no resto de cobertor, sabe-se lá ache tenha razão.
Eles estão por ali! Por aqui! Por aí!
Tem um pertinho...
Igualzinho a este...
Confira da janela...
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Este texto faz parte do Exercício Criativo –
“Se é loucura, então, melhor não ter razão...”
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