CONFISSÕES DE UM NEGRO DECENTE

(Trechos reais da adolescência dos anos 80)

Fui pego de surpresa, quando convidado para ir ao baile, meus amigos perguntaram se queria fumar um “ base”. Recusei claro.

Mas tive de amargar numa esquina, num dia de inverno rigoroso típico de Pelotas. Enquanto eles aspiravam àquela fumaça fedorenta. Houve uma época que gurizada andava assaltando lojas de madrugada. Tinha uma “ pinta” que transava um jeito maneiro de entrar sem deixar “furo”. Fui convidado, e apavorado com a ousadia recusei. Sacudi a cabeça e o dedo junto para dar mais ênfase à minha negativa.

Deu certo e quiseram me vender o produto do roubo fiquei com medo e se me pegassem?! Não tenho vergonha de admitir que “tremo as perninhas" de medo dos “homens” . Um amigo meu no carnaval , foi pego uma vez. Não estava fazendo nada só sambando com os amigos. Mas negro fazendo muita zona é ladrão encrenqueiro...

Resultado, todo mundo viu o sol nascer quadrado, não sem antes levar um pau no lombo nu. Desde este dia fiquei com raiva dos homens e faço a maior força para não cair nas mãos deles.

Curto festas, fazer bagunça nas pistas, andar bêbado pela rua fazendo carnaval fora de época, mas com um detalhe, olhando para todos os lados, se pintar sujeira aviso meus amigos para dar uma maneirada.

Se sou um covarde de carteirinha, isso pouco importa. Sempre escuto minha velha: Mais vale um covarde vivo do que um valente morto.

SOU EU.

O Ica, cara legal, namorando firme, sempre de casa para a escola, um dia resolveu sair da rotina. Foi numa festa com os colegas noutra cidade, cinco caras, ele o mais escurinho do grupo. Isto bastou para o pessoal de lá, cambada de alemão, provocar a turma. Eu não fui porque não tinha dinheiro.

O cara voltou da festa direto para o hospital. Levou uma surra de deslocar o maxilar, perdeu todos os dentes e teve de fazer varias cirurgias. Motivo: era negro

A gangue não gostou da pigmentação acentuada do cara. Pô, que é isso meu?!

Fiquei arrasado, principalmente quando fui vê-lo quase nem o reconheci. A mãe dele nem falava no meio de tantas lagrimas. Queria ser bandido, ruim mesmo, ir até lá dar um tiro na testa de cada um e ficar olhando. Para ver de que lado cairia o corpo.

Se tivesse ido apanharia muito mais, sou mais preto do que ele. Racismo.

Isso me deixa p...

Quando arranjei um emprego novo ganhando mais que um salário, fiquei feliz.

Quem sabe não daria para emprestar para a mãe do Ica, ajudar numa plástica que teria de fazer no nariz. Comprar aquela calça maneira que estou sonhando a um tempão. Recebi. Fiz tanta conta que o dinheiro não deu nem para um maço de cigarros. Que vontade de assaltar uma loja, igual que meus amigos faziam. Até um banco e nunca mais passar necessidades.

E aquela negra desgraçada, levei um tempão rasgando o ouvido dela para a gente namorar, quando consigo o que acontece? Me troca por um branquinho de cabelo cumprido, um Bad Boy .

Nessas horas é que dá vontade de fumar um ‘”base” , ficar doidão alucinado e esquecer o pé na bunda.

A droga é que tu és certinho, isso nunca te fez a cabeça. E dá-lhe caipirinha, a ressaca é de matar. Então vou na cerveja, cinco minutos com o copo na mão, vinte correndo para o banheiro. Não adianta nada vomitar até cair...

O jeito é esperar o tempo passar, mas demora...

RÔCRÔNISTA
Enviado por RÔCRÔNISTA em 12/11/2011
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