INSTANTES FINAIS (EC)
Estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol...
A música de Belchior batia-lhe à cabeça.
Ele estava angustiado pelo risco do gol.
Era a última partida do campeonato. Bastava o empate para seu time ser campeão, que se defendia como podia naqueles minutos finais. O adversário atacava com todo ímpeto.
Coração a mil corria riscos. Não vá ao estádio, alertou o médico.
Impossível!
O time precisava de sua energia. Talvez fosse a última oportunidade de gritar: “É campeão!”.
Braços enroscados ao torcedor ao lado, enquanto o goleiro desvia com as pontas dos dedos a bola para escanteio. Após a defesa, o goleiro joga-se ao chão dizendo-se machucado.
Simulação! Protestam os adversários ao árbitro que aponta o relógio.
Olha o seu e vê a imagem da tarde, nos distantes tempos da infância, quando pescava com seu pai e fortes raios irromperam repentinos e o pai gritou para jogar-se ao chão afastando-se do arvoredo.
Quase todos os jogadores na área esperando a cobrança do escanteio. Empurra-empurra geral. Pernas e corpos misturados.
Franze o cenho e aperta as mãos, relembrado o dia em que lhe escapou a mãe, em pleno centro da cidade, entre dezenas de desconhecidos. Par de lágrimas de medo descendo pela face, salgando o amargo do sentimento de insegurança que lhe abateu até sentir a mão segurando-o novamente.
Bola decola e começa a cair. O desespero faz rezar a todos os santos, enquanto agarra o patuá.
A cabeçada do atacante desenha-se fulminante. Fecha os olhos ao silêncio do estádio.
Sente a garganta dilacerada, tal fosse vítima de Bela Lugosi.
Bola bateu na trave, subiu e caiu atrás do gol.
Continua zero a zero.
Frenesi!
Passado o choque, compara rapidamente o vôo da bola ao medo que tinha de aviões. Ri um segundo, ao lembrar-se que nas turbulências não há ateu que não reze. E se tantos se borram por tantas coisas, porque ele não pode temer por seu time?
Acaba logo esse jogo! Grita, com o mesmo temor da cena final de um filme juvenil, onde a mocinha corre o risco de não ser salva pelo herói ao ataque mortal dos bandidos.
Os atacantes adversários parecem com o diabo no corpo. Gesticula os braços junto com torcida, buscando exorcizar a bola para longe do gol.
Cartão amarelo?
Percebe a dor no peito. A facada no banheiro de Hitchcock. Uma pequena massagem e vamos à luta.
É o segundo.
O zagueiro é expulso.
Sente-se com a defesa enfraquecida. Afogando-se num mar de pessoas.
O cruzamento vem rasteiro. Tal as rasteiras que a vida lhe dera.
Um pé chuta a bola cutucando-lhe a alma, fazendo a bola enroscar-se como um peixe no fundo da rede.
Parece escutar ao longe o grito de gol da torcida adversária.
Cai inerte na arquibancada. Os torcedores ao redor apavoram-se, sem saber se o socorrem ou lamentam a derrota que se avizinha.
Abaixam as bandeiras, olhando-o e ao vazio da derrota, como também fosse o fim da vida.
Esperem! Berra um do povo, ensandecido
Estava impedido!
O gol foi anulado.
Apito assoprado pela última vez
Fim de partida.
A torcida volta a vibrar.
Carregados em júbilo, os jogadores dão a volta olímpica, atrapalhando as manobras da ambulância.
Não ficou para ver a festa.
Uma camisa autografada pelos jogadores lhe foi levada ao hospital.
Definitivamente enrolado na bandeira amada.
No primeiro jogo do campeonato seguinte dedicaram-lhe um minuto de silêncio.
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Este texto faz parte do Desafio Literario Encanto das Letras.
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