Passeio nas águas quentes
Rigorosíssima! Se forem seis horas a hora de chegar, então serão exatamente às seis. Se alguém chegar um minuto após, não irá entrar. As portas do convento serão fechadas. Segundo Luís Sérgio, Guilhermina é muito rigorosa com seus iniciados, zelando pela disciplina do convento com mãos de ferro. Certo dia 28 de outubro ela saiu em passeio com seus pupilos. Foram às Águas Quentes de Poxoréu, que ficam à esquerda da MT-130, sentido Poxoréu/Primavera do Leste, a aproximadamente dez quilômetros da rodovia, em boa estrada de chão escascalhado. Na saída do colégio, ela advertiu a todos de que o retorno seria às seis horas da tarde e que não gostaria de ter qualquer dissabor nesse sentido.
E assim partiram.
Segundo o plano previamente elaborado pela direção, o ônibus não iria passar em frente à casa de ninguém. Antes de partir, havia a dúvida se a turma iria de ônivião ou de metrovião; se passaria por cima, ou por baixo das casas. A assessoria de comunicação fez beicinho diante do comentário travesso do menino. Isso causou preocupação. Brincadeira tem hora e tem gente que não gosta, principalmente os mais sérios. Mas o sorriso da assessoria que veio logo depois do biquinho trouxe a paz de volta ao rebanho. Afinal a turma não estava saindo para um recanto de orações. Portanto, era preciso que alguém com seriedade e responsabilidade fosse junto para garantir que até nas brincadeiras e diversões houvesse limites.
E assim partiram.
Parava aqui, parava ali, parava acolá. Depois de várias paradas para o recolhimento da turma, finalmente deixaram a cidade, que foi ficando cada vez menor, até sumir na traseira do velho ônibus escolar da Prefeitura, que fora gentilmente cedido para levar a turma ao passeio nas Águas Quentes de Poxoréu. Não era um transporte muito confortável, mas os meninos e as meninas deveriam ficar muito felizes. A gente não deve olhar os dentes do cavalo dado; deve agradecer. Então, desde a saída da escola, todos disseram muitos obrigados pelo presente.
E assim partiram.
Guilhermina ia logo à frente, em um dos primeiros bancos do ônibus. Discretamente, volta e meia dava meia volta e volvia um olhar para os seus pupilos. Queria deixar claramente estabelecido que apesar de estar dando certa liberdade, a guarda estava alerta e de olhos bem abertos sobre todos. Às suas costas os meninos cantavam animadamente os hits do momento, em parceria com uma caixa de som que levaram para animar o passeio. As caixas de som estão fazendo muito sucesso hoje em dia. Elas vêm com suporte para os chips que dispensam os velhos discos, fitas e CDs. No nosso caso, ss cantores deixavam muito a desejar, mas como não estavam apresentando nenhum espetáculo, ninguém se incomodava. E depois, a caixa afinadíssima e em alto volume, cobria todas as falhas dos cantores, os quais nem ouviam as reclamações dos que não cantavam e nem se encantavam com o que os demais cantavam.
E assim partiram.
As águas quentes de Poxoréu, não ficam longe de Poxoréu. E entre conversas que vão e conversas que vêm ei-las que surgem em uma das curvas do caminho. A turma estava no ápice da agitação. Mas Guilhermina tratou logo de jogar uma baldada de água fria sobre os mais afoitos para acalmá-los. A meninada deveria se comportar, não demonstrando grande entusiasmo pelo lugar, ficando quietos enquanto o comando da tropa tentaria negociar um abatimento nas entradas. Deveriam dizer à gerente do lugar que na verdade desejavam ir para as Águas Quentes do Damasceno, também chamada pelos vizinhos de Águas Quentes de Primavera.
E assim chegaram.
A negociação foi fácil. Demorou poucos minutos. A turma logo percebeu que tinha dado certo e já começou a descer e caminhar para a entrada do lugar. Nem esperaram o toque do sino de todo dia, de Dona Maria do Sino. Mas também ela não tinha levado o sino. No lugar do sino ela levou um grande guarda-chuva. Segundo ela, o guarda-chuva era para ser um trocador de roupa, caso nas tais “Águas Quentes” não houvesse um local adequado para se trocar a roupa molhada na hora de ir embora. Dona Maria do Sino sempre foi muito metódica, seguindo à risca as ordens superiores. Na escola, só falta o toque do sino quando o sino some. Mesmo assim, ela improvisa. Um outro dia ela apareceu na porta da sala dos professores tilintaliando um molho de chaves. “Que é isso Dona Maria?”, perguntaram-lhe. “É o sino!”, disse ela. “O sino sumiu, mas já está na hora de começar as aulas”, concluiu.
E assim chegaram.
As águas quentes não são tão quentes. São agradáveis. As piscinas têm fundo de areia branca. Tem as mais rasas para as crianças e os mais velhos que passaram pelas piscinas da vida sem aprender a nadar. E tem as piscinas mais fundas, para os maiores caminharem e para os nadadores nadarem. Uma das piscinas é sombreada por grandes e lindos buritizeiros; as outras são cobertas apenas pelo sol.
E assim chegaram.
Há quiosques e muitas mesas espalhadas pelos bosques das Águas Quentes. Enquanto um grupo permanecia em uma das cabaninhas, o restante da turma foi se espalhando pelo local e ocupando as instalações. De repente começaram a retornar. Marimbondos? Abelhas? Formigas? Cadê Guilhermina com seu bastão protetor? Será que ela se distraiu. Não! Ela vem atrás de todos, protegendo a turma das ferroadas quentes e ardentes da gerente do lugar. Na verdade, as mesas poderiam ser usadas por uma pequena quantia, equivalente a mais ou menos uma entrada e meia. Foi esse aviso, pregado nas mesas que vez o rebanho recuar. Não adiantava ter negociado um abatimento nas entradas se agora tivesse que devolver o abatimento para pagar a locação das mesas.
E assim chegaram.
Enquanto a turma se acomodava, a Assessoria de Comunicação da escola chegou com a informação de que o lugar estava por conta do nosso pessoal. Podia-se usar de tudo, inclusive as mesas, que não seriam cobrados extras. Legal! Mas já era tarde. O povo já estava chegando à piscina mais longe e mais funda: a da sombra dos buritis. Outros já estavam começando um animado vôlei de praia. A caixa de som já zunia em alto e sonante som e alguns dos organizadores do almoço já começam a se mobilizar para ascender o fogo na churrasqueira, cortar as verduras para a salada e o vinagrete e tudo o mais.
E assim chegaram.
A animação não ficou em Poxoréu. As meninas dançavam em plena areia quente as músicas que enchiam todos os recantos dos alegres bosques ocupados pela escola. Era uma forma de se divertir enquanto obtinham a tonalidade adequada de bronzeamento da pele. Para se obter um bronze bonito e que encanta os olhos dos guris é preciso que o sol atinja toda a superfície corporal. Era um encanto ver tanta animação.
E assim chegaram.
Então faltou o carvão. A Diretora estava aflita, pois havia comprado seis sacos de carvão. Podia faltar tudo, mas o carvão... Ah, calma Diretora! Afinal, para que existem as gerentes de um lugar como este? Ora, elas existem para providenciar essas coisinhas que a gente normalmente esquece e aquelas que não são admitidas trazer de casa, como carvão e bebidas. É só ir lá e comprar. Ufa! Que alívio. Dona Jusci foi procurar a tal gerente e, logo, logo chegou com a informação de que estava tudo providenciado: a bebida e o carvão.
E assim chegaram.
A bebida veio gelada e em latas, ao custo de um quarenta avos de uma centena de reais cada. Tinha coca, tinha fanta, tinha soda... E tinha água fria. Somente as águas das piscinas são quentes. As águas do pequeno riacho que corta o lugar são bem frias. Na primeira entrada elas são geladas. E há também um rego de água fria. Pequenas pontes cortam os regatos, formando um belo visual, que foi amplamente desfrutado pelos meninos e meninas da escola.
E assim passaram o dia.
O almoço foi servido na hora. Várias tias se ocuparam de garantir que a meninada fosse bem alimentada. No cardápio teve churrasco de carne bovina, lingüiça e frango, acompanhado de arroz branco, salada de repolho, mandioca e vinagrete. Uma delícia. Dona Jusci apreciou a mandioca e eliminou uma de suas preocupações: temia que a iguaria não cozinhasse e que ficasse dura, mas estava macia e deliciosa. Na deixa da mandioca, os meninos brincavam: o que é que tem cheiro de mandioca, gosto de mandioca e cor de mandioca? Marcelo disse era o aipim e o Luís disse que era a macaxeira. Então, tá! A mandioca, o aipim e a macaxeira estavam uma delícia e era tudo mandioca do mesmo pé e também poderia ser farinha do mesmo saco. Claro! Farinha de mandioca, porque também tem farinha de milho, farinha de rosca e outras farinhas mais.
E assim passaram o dia.
Na piscina mais funda, a da sombra dos buritis, os meninos jogavam vôlei animadamente. Volta e meia voltavam à churrasqueira e à praia. Comiam lascas de carne assada, aquificavam-se, jogam vôlei de praia, dançavam na areia, contavam causos, se alegravam e se fotografavam. Foram gigas e mais gigas de fotos digitais.
E assim passaram o dia.
Por volta das dezesseis horas, Guilhermina deu o sinal: pessoal, vamos embora! Aí começaram as broncas para ficar mais um pouquinho: A água estava tão gostosa, tão quentinha... Não sabemos quando poderemos voltar - diziam. Até Dona Jusci queria ficar. Mas, pouco a pouco, a voz de comando foi sendo obedecida. E pouco depois, a turma já estava no ônibus, com roupa enxuta e animadamente cantando o retorno para Poxoréu, com a mesma alegria da ida. Todos estavam felizes de terem participado desse maravilhoso passeio nas Águas Quentes de Poxoréu.
E assim voltaram para casa, aquificados.
Aquificar é um verbo que se flexiona na voz reflexiva. O aquificador é o sujeito é ao mesmo tempo, o objeto da ação. Luís Sérgio dizia que Antenor estava bem aquificado, mas Dona Tiana, sua esposa, respondia que ele estava tinindo de bom. Tonho e Dona Losa, sua mãe, também estavam esplendidamente aquificados. Aliás... Todos estavam. Basta ver as fotos. E agora é isso que vai acontecer: olhar cada foto, comentar as doces lembranças e voltar à batalha. Afinal, o ano letivo de 2011 ainda não acabou e até dezembro muita água vai rolar. Valeu, Dona Jusci, dona Maura, dona Adjair, dona Vanildes, dona Yeda e suas crianças, dona Clara, dona Ivanilza, dona Jovelina, tia Leslie, tio Antenor, dona Tiana, tio Luís Sérgio, tio Marcelo, Dona Maria, tia Gaudência, Martinha, Silvian e seu filhinho, Paulo, tia Regiane, Dora, Elza...
Valeu, dona Guilhermina. Seu espírito de freira trouxe alegria, disciplina e limites para o nosso passeio, garantindo que ele fosse bacana, inesquecível e divulgável. A senhora esteve dentro de cada um de nós.
E à senhora, Dona Jusci, queremos dizer que esse passeio valeu mesmo. Foi nota dez! A senhora não podia terminar a sua gestão sem promover uma confraternização da nossa turma. Parabéns!