COISAS PERCEPTÍVEIS

Quantas vezes você já se perguntou: O que há de errado comigo? Há muito tempo esta pergunta vinha me incomodando. Nunca me conformei com tal condição. Sempre achei que havia alguma coisa sem nexo. Ou o problema era meu ou era de alguém, mas que tinha, tinha...

Pois bem, ontem, num bate-papo bem agradável com um amigão desses de todas as horas, daqueles, tipo Gino Passione. Sugeri dele uma análise, sem rodeios, da minha problemática. Então, ele pediu para que eu contasse os fatos que haviam me conduzido a esta conclusão. Aproveitando da honestidade dele e embalado pela sinceridade momentânea que em mim transbordava, comecei a traçar a lista...

Disse-lhe que percebia que tudo havia ficado diferente de alguns anos para cá... As garotas não tinham mais os rostinhos angelicais dos tempos de adolescência. O céu não brilhava mais como nas tardes ensolaradas da época do ginásio... Tudo para mim estava ofuscado e sem a nitidez perceptível nos encontros com os colegas que não via há muito tempo.

Diante de tudo isto, e sem hesitações, ele alegou já saber qual poderia ser a solução para toda essa angústia.

Não fomos muito longe de onde estávamos e com um simples telefonema, fez-me falar com uma mulher. Tamanha foi a suavidade e calmaria da sua voz que concentrado fiquei à ouvi-la. Ela propôs, sem muitas falácias, um encontro, mesmo que casual, mas sem negativas da minha parte... Eu e ela; ou ela, eu e o meu amigo, isso não importaria. (Não se preocupem não é um conto erótico, ou não se animem... Sei lá?).

Voltando ao encontro... Era um local formal, bem reservado e de aparência sofisticada. Ela já nos aguardava numa sala no fim do corredor... De súbito, fiquei impressionado com tantas luzes, quadros de pinturas sul-realistas e esculturas que mais me lembravam pessoas decapitadas... Meu amigo, vendo o meu contentamento, resolveu deixar-nos a sós.

No nosso primeiro contato ela pediu para que ficasse de frente para ela. Alisou o meu rosto com sutileza e pediu para que eu, vagarosamente, fechasse os olhos...

Tudo era novo para mim. Naquele instante veio à minha cabeça o papo que eu tive com o amigo, as minhas angústias e como num filme tudo passava rapidamente. Agindo como quem tenta de uma vez só acabar com todo um sofrimento de uma pessoa, ela pediu para que eu continuasse calmo, encostou-se em mim, segurou o meu rosto com as duas mãos e o ergueu docilmente. Eu não parava de fitar aqueles grandes olhos castanhos que brilhavam, como estrelas à noite, num céu formado pelas luzes do teto. Eu já não queria mais parar...

Fui testado de todas as formas. Eu não parava de visualizar coisas novas a cada momento. Para tudo tinha uma explicação. Com tranqüilidade, dizia em voz baixa e numa dicção perfeita: Calma, meu rapaz... Calma. Não é bem assim... Daí em diante emudeci...

Imaginei que todos os meus problemas tivessem acabado. Saí da sala com um sonho de voltar e dizer-lhe que tudo, em mim, iria mudar. Fiquei olhando a porta fechar tentando vê-la e talvez sorrir para que ela percebesse que eu estava disposto a fazer e aproveitar todo aquele tempo que passamos juntos. Mas a porta se fechou e nunca mais a vi.

Só sei que depois daquele encontro, passei a encarar a vida como se cada dia fosse uma nova oportunidade. Decidi seguir todos os seus ensinamentos. Passei a freqüentar os locais que me sugeriu. E como, alguém que busca uma perfeição, consegui atingir todas as suas recomendações. E deste dia em diante, isso, graças ao meu amigo, aquele de todas as horas, e aquela profissional maravilhosa de quem nunca esquecerei.

Hoje, dou mais atenção a tudo que está em minha volta. E aprendi, definitivamente, o estrago que te causa não saber que você é míope do olho direito e tem astigmatismo do olho esquerdo e precisa de óculos... Sem dúvidas hoje eu vejo tudo maravilhosamente bem.