ESCRITORES DE GAVETA

Quando fazíamos Oficina Literária uma colega (falecida) nos apelidou de escritores de gaveta. Éramos dez mulheres algumas não tinham para quem mostrar suas obras. Então terminávamos e guardávamos na gaveta.

Na minha adolescência escrevia muitos contos, contava estória sobre minhas amigas nossos namoros. Coisas que na época não podíamos contar e hoje os adolescentes contam sem o menor constrangimento. Foram muitos cadernos folhas de provas com minhas coisas que naturalmente guardei na gaveta. Sempre arrumava quem me lesse, cheguei a arrancar lagrimas de uma colega de colégio com minha estorinha açucarada. Sentia-me a própria escritora renomada aos dezessete anos de idade. Para que eu não parasse de escrever, escondido do irmão dela, dava-me cadernos que ganhava dele. Mas eu não me apertava, pois pegava as provas do meu irmão e rascunhava tudo, sonhando um dia passar para a máquina de escrever. Sou antiga.

Nunca fui muito esperta e minhas estórias foram escritas a lápis, claro que apagou tudo, borrou algumas, mas ainda as guardo. Na gaveta.

Quando me senti realmente adulta, descobri que adorava o “polêmico” então, aos vinte e seis anos, escrevi meu primeiro romance adulto. “Amantes”, mãe solteira, amante de homem casado, totalmente inovador. Mas consegui colocar minhas mágoas e dores nessa estória, saí da coitadinha para virar a mulher guerreira que sempre busquei em mim.

Passado essa fase, agreguei o polêmico ao meu momento contestador depois de ler os romances açucarados da coleção Julia, Bianca e adjacentes. Revoltei-me, só loiros de olhos azuis ombros largos, queria ler um “Negro” de dorso reluzente também. Li vários clássicos da literatura como O MULATO, O MOLEQUE RICARDO, falando de negros e preconceitos. Estava virando a página. Quis polemizar mais acabei deixando uma anglicana escandalizada depois de ler meu segundo romance. O nome não vou colocar, depois de mais de vinte anos (estou sendo modesta comigo. Vinte!?) inventando, não encontrei nada apropriado. Em matéria de colocar título eu sou um fiasco. Minha estória é polêmica pura, pai homossexual de um adolescente, filho de família tradicional de Pelotas. Falei de sexo entre os adolescentes, drogas, abortos, prostituição masculina, AIDS preconceito racial, social. E o personagem principal era um travesti. Queria muito mostrar para alguém e escolhi mal a leitora, a religiosa ficou indignada com o enredo dizendo que os homossexuais denegriam a imagem de Pelotas nos banheiros da praça. Como eu só queria chocar fui adiante e minha estória virou um novelão de duzentas e tantas folhas datilografadas. Teve final feliz com direito a show transformista do pai do adolescente, reconciliação no palco com entrega de buquês. Trabalho de parto de trigêmeos. Essa mesma pessoa (sim, a anglicana!) me incentivou a escrever um romance policial, pois viu que eu levava jeito. Acreditei, e comecei achando que era muito fácil o enredo, bem a minha cara, muito romance, intrigas, traições e no final: o assassinato. Fiz tantos suspeitos, deixei tantas pistas que no final nem eu sabia quem era o assassino. Desisti, guardei na gaveta, um dia volto a escrever e desvendo o mistério que eu mesma inventei.

“FEITO BRASA ADORMECIDA” é o meu xodó, estava muito inspirada me atirei no polêmico, falei mais de prostituição masculina, gravidez na adolescência, voltei ao preconceito racial, abordei assuntos como os maus-tratos de idosos nas casas geriátricas. Encontrava-me num período “revolta” então não poupei críticas. Crianças abandonadas, religião afro. Esse achava que seria “a porta do sucesso”, queria alguém importante para me dar uma opinião. Em 97 lia muito as crônicas da jornalista Tereza Cunha todas as manhãs no serviço. Através destas leituras aprendi a fazer adaptação de texto. Estava numa ânsia de inventar que destruía as crônicas dela com minhas gracinhas. Descobri que tenho facilidade para comédia, tomei coragem um dia (meu sonho sempre foi ter meu romance publicado, então como sou ansiosa demais, datilografei folha por folha do meu romance. Dos quatro lados, fiz uma capa e pronto estava publicado meu livro) e levei minha obra para o jornal. Quando cheguei lá a Tereza (hoje minha amiga) estava em férias. Adorei, estava nervosíssima de conhecê-la, deixei lá e esperei ansiosa que voltasse e lesse para dizer se havia gostado. Ela gostou, mas continuei na mesma. Ah, foi por causa dela que fiz a Oficina e agradeço muito, levou meu material para a Hilda Simões Lopes, e ela gostou me deu uma bolsa. Continuando...

No meu período “ainda estou contestando” em 99 quis falar do concurso Garota Verão. Do sucesso ao fracasso, o titulo é outro, falei de filho deficiente da miséria interior das dificuldades financeiras por causa do desemprego na época enfrentava esse problema. A estória é tão deprimente, tão triste, sofrida, que fiquei mal, até para falar sobre isso a gente precisa estar bem consigo mesmo. Guardei na gaveta. Um dia reescrevo sem muito dramalhão, gosto mesmo é do deboche.

Minha relação de amor com a literatura começou antes mesmo de eu entrar para o colégio.

Meu lado manipuladora ama a escritora, posso falar o que quiser, interferir na vida dos personagens. Amo e odeio na mesma proporção, “olha a mágica” posso perdoar sem rancor. Escolho as roupas, quando vai beijar e quem beijará. Posso ser mulher, homem, criança, adolescente, ter dupla ou tripla personalidade e ninguém vai me questionar por isso. Ser promíscua, carente, safado, um transexual, assassino sem culpa. Posso me transformar num personagem qualquer e contar minha vida com algumas melhoras que só eu sei que preciso. Aqui posso ser verdadeira ou mentirosa quem vai saber.

É só um texto, um conto. Só me dispo nas crônicas, aí, como agora, falo a verdade... A Oficina de Criação Literária foi um grande passo para meu amadurecimento como “uma pessoa que gosta de escrever”. Ainda não me considero uma escritora não publiquei meu romance com tarde de autografo numa livraria “chique”.

Mas eu chego lá!

RÔCRÔNISTA
Enviado por RÔCRÔNISTA em 16/10/2011
Reeditado em 28/12/2012
Código do texto: T3280741
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