O último verso da colina

Sob o vale repleto de sombras ,o hospedeiro o segurava como podia e prendia-lhe com os dedos , que pareciam correntes da bastilha francesa.O vento assobiava na colina , amedrontando todos que ouviam e tirando deles suspiros de pavor.Em poucos minutos todas as portas e janelas estavam fechadas , como sinal de prevenção.Inútil ato , pois nada poderia conter aquele sopro , que vinha de boca aberta ,mostrando os seus dentes e cuspindo peçonha mortal e dilaceradora de desejos.As preces eram ouvidas mesmo assim , e colidiam umas com as outras , não passando do teto das casas.O vento era um forasteiro , endiabrado, com os olhos revigorados e causador de revoltas.Ele , já havia rasgado a constituição , eliminado trovas e relíquias do amor , as quais atravessaram séculos e escaparam de outros ventos indomáveis. O hospedeiro lá estava , abaixado de frente para o vale , contorcendo e acalentando seu eu-poético , para que não ficasse traumatizado.Suas mãos suavam e as unhas roídas ardiam , causando-lhe extrema dor.Mas , dentro de suas mãos trêmulas , estava o último suspiro de sua arte e nada o faria soltá-lo , pois morreria.

Estava ali há horas , sozinho e desprotegido , sem armas , sem nada , com tudo perdido. Somente tinha a maior riqueza do universo:O último verso que o vento ainda não havia levado para o esquecimento. As luzes da cidade haviam de apagado , e agora , o único brilho que se via , era o da esperança que ainda não morrera , porém estava sendo sufocada lentamente. Pequenos arbustos eram arrancados com ódio e facilidade , mostrando todo o poderio e grandeza que já podia ser avistado no alto do vale.Passaria pelo hospedeiro em poucos instantes , eliminando qualquer chance de fuga ou truque. Enfim , ele chegou intolerante quanto ao seu temor e sem perder tempo ,passou por ele com violência , laçando-o longe....muito longe de onde estava o trovador.Quando a cena estava então pintada , um silêncio repleto de pesar e lamentação pairou por toda aquela atmosfera. O jovem sonhador acordou em devaneios , já se acostumando com a perda. Perda? Jamais poderia haver perda ou lágrima , porque o amor ainda vence tudo e salva a alma de qualquer tempestade.

O trovador olhou-se em uma poça de água e vendo seu reflexo desfalecido , se assustou. Esticou o corpo dolorido e cheio de amarguras e soltou um longo suspiro de alívio , vendo sair de si , a musicalidade de suas palavras , e o perfume de sua poesia. Ardeu-lhe o peito por segundos...os segundos mais longos de sua vida e depois seu coração pulsava sem parar.O verso não era mais o mesmo , ele não era mais o mesmo e o vento passou , virando canção.O jovem sorriu , pois o verso sumido , foi pintado em seu coração.

JBorsua
Enviado por JBorsua em 10/10/2011
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