Apesar de você, a gente vai levando…

Repassando.

A Constituição Federal do Brasil declara em seu artigo primeiro que: “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Mas existem em nosso país aqueles que, infelizmente, se julgam acima do bem e do mal. Para esses, não faz sentido a sabedoria bíblica que diz: tu és pó e ao pó retornarás…”. Seguem como se fizessem parte de uma legião de intocáveis para os quais o poder é mero instrumento para alcançar bem estar próprio e para os seus. Algo insensato quando o princípio básico da democracia é de que “todos são iguais perante a Lei”.

A ministra Eliana Calmon, a nova corregedora do Conselho Nacional de Justiça, estremeceu o meio jurídico ao afirmar que é comum a troca de favores entre magistrados e políticos.

Para ela, é impressionante como a “politicagem” interfere de forma danosa na mais sólida e confiável Instituição, o “Poder” Judiciário. A consequência imediata disso, é o fato de juízes produzirem decisões sob medida para atender aos interesses dos políticos, que, por sua vez, são os patrocinadores das indicações dos ministros, num toma lá, dá cá que gera efeito cascata nefasto para a sociedade brasileira.

A corregedora do CNJ explica que durante anos, ninguém tomou conta dos juízes, pouco se fiscalizou. Daí ficou mais fácil esse tipo de tramóia que começa embaixo. Eliana Calmon conta que não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Então, os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão. Quem sai perdendo? A sociedade e a própria Instituição.

Tudo isso seria mais difícil se as promoções na magistratura acontecessem por mérito. Mas hoje o critério para preenchimento de vagas nos tribunais superiores, por exemplo, é político. E, sem fiscalização, política resvala facilmente para politicagem, acordo para conchavo, grupo para quadrilha.

Eliana explica que assim, os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém porque sabe que num embate ele levará a pior. E será esse que poderá chegar ao topo do Judiciário. Tudo isso funciona como um braço político infiltrado no Poder Judiciário. Daí algumas distorções acontecem: recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada. Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e a investigação chega ao tribunal com todas as provas, como desconsiderar? Tem cabimento isso? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é um traficante ou um ladrão pé de chinelo? Conclusão: há uma promiscuidade e uma intimidade indecente entre poderes que deveriam agir em benefício de toda a sociedade.

Essa subserviência da Justiça ao mundo da política existe porque, para entrar num tribunal como o STJ, o nome do indicado tem de primeiro passar pelo crivo dos ministros, depois do presidente da República e ainda do Senado. E o candidato, uma vez escolhido, já entra devendo a todo mundo. E a fatura é alta.

Há ministros do Supremo Tribunal Federal que, quando chegam para montar o gabinete, não têm o direito de escolher um assessor sequer, porque todas as vagas já estão preenchidas por indicação dos “patrocinadores” políticos. E a teia se estende mais além. Há ainda a atuação de advogados que também são filhos ou parentes de ministros. Eles se vendem, por baixo da imagem dos ministros. Dizem que têm trânsito na corte e exibem isso a seus clientes. Não há lei que resolva quando o problema é falta de caráter. Por isso, é preciso uma fiscalização rigorosa, permanente e eficiente, que inclua a devida punição, dentro do estrito limite da lei.

A própria Eliana Calmon reconhece que muitos magistrados tem a tendência a ficar prepotentes e vaidosos, verdadeiros super-homens decidindo a vida alheia. Qualifica essa prática como uma doença, a “juizite”. Para ela, é preciso acabar até com o rigor da toga: renda, botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Tanta pompa para tão pouca circunstância. Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com que o juiz fique cada vez mais inflado. Não faria nenhum mal um pouco mais de humildade dentro do Judiciário.

A Associação de Magistrados Brasileiros – AMB – reagiu e entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para que o Conselho Nacional de Justiça só atue depois de esgotados todos os recursos nas corregedorias estaduais. Assim, o CNJ só seria chamado a agir depois das corregedorias locais, nos processos em que a idoneidade de juízes é colocada em dúvida. O procedimento era esse até 2005, quando a aprovação da reforma do Judiciário, no Poder Legislativo, criou a figura do CNJ. A ideia era que os tribunais tivessem um órgão de controle para monitorar suas atividades, papel desempenhado pelo conselho desde então. Desta maneira, podar o CNJ não seria um retrocesso?

Mas a AMB alega que só assim os juízes teriam amplo direito de defesa. E por acaso lutar pelo amplo direito de defesa justifica acabar com o CNJ? Se querem tirar do cidadão o direito de ir direto ao CNJ, sem passar primeiro pelas corregedorias locais, não seria o caso de uma ampla discussão com os representantes legais do cidadão, ou seja, o Congresso Nacional?

Hoje, apesar da fiscalização, uma inspeção do CNJ em oito estados mostra que corregedorias dos Tribunais resistem em punir magistrados: há casos de prescrições, sentenças não cumpridas e desaparecimento de peças processuais. Além disso, o STF suspendeu quase metade das punições aplicadas pelo CNJ a juízes acusados de cometer crimes, desde a criação do organismo.

Ontem, seis dos 15 membros do CNJ que endossaram nota do presidente do Supremo, Cezar Peluso, contra a corregedora Eliana Calmon se arrependeram. Diante disso e da reação da opinião pública contra o corporativismo no Judiciário, o Supremo Tribunal Federal desistiu de julgar a ação que tira do Conselho Nacional de Justiça poderes para investigar e punir magistrados e adiou a decisão.

Assim, é urgente perguntar: quem perde com essa situação? A quem interessa essa guerra no Judiciário? A briga pode ser interna, mas são os direitos de todos os brasileiros que estão em jogo. Aqui, vale lembrar o que disse o jurista norte-americano Earl Warren: “As leis só flutuam no mar da ética.”

Para que a nossa esperança não naufrague, apesar dos homens que se julgam deuses, a gente vai levando e se fortalecendo para o exercício da democracia…