O VENTO E SEUS MISTÉRIOS

O dia de soltar pipa chegou. Os cartazes pela cidade chamavam desde as crianças até os avós. Tornou-se um domingo esperado para muitos como dia de pescaria ou de viagem de férias. Foi o dia do vendedor de pipas tambem. Bem que ele queria ser um polvo naquela manhã, pois faltaram-lhe braços para entregar as pipas e recolher das pequenas mãos o dinheiro em notas enroladas dos que sem o brinquedo chegava.

Entre todos que ali estavam, esticando em mais uma geração esta tradição singela de brincar com o vento, entendi que quem faz a pipa é o próprio vento. As partes da pipa se compram e se constroem, mas o vento não se faz, não se compra, não se deixa dominar. Só se tem pipa quando ele quer. Se ele quer tem pipa no céu, mas se ele não quer, o céu não tem as pipas. E pipa no chão é choro sem lágrima. Mas para alegria de todos, lá estava ele, invisível e intocável, sem traços que o contornem ou pincéis e tinta que lhe deem cores. Delgadas e coloridas, as pipas no céu anunciavam a sua presença.

Quem não sabe que o vento é livre, quase soberano? Até entre as páginas dos evangelhos leio que ele, tão livre e dominador, deixou 12 homens experimentados num barco estonteados ao vê-lo dobrar-se à ordem de Jesus para aquietar-se. Uivante e insolente o vento econtrou aquele barco, mas humilde prostrou-se ao ouvir a voz do mestre daqueles homens. Apesar disso, o vento sabe quem ele é, pois foi o próprio Jesus que afirmou que ele assopra onde quer, e mesmo ao ouvir a sua voz, não se sabe de onde vem, nem para onde vai.

As vezes penso que ele tem temperamento, ou melhor, todos temperamentos e humores. Quem não se emociona com uma brisa terna da tarde de outono que parece encarnar lembranças e saudades de perfumes e momentos queridos? Travesso e extrovertido é aquele vento de agôsto que levanta as saias das moças e desmancha penteados. Súbito e intempestivo, sem avisar, vemos ele chegar no verão revirando guarda-chuvas e fazendo telhados voarem.

Tão cheio de vontades e humores ele é, que torna vão todo esforço em entendê-lo. Misterioso, temperamental, ora sopra, ora não sopra, sopra de lá para cá e de cá para lá, como quer. Por isso, nem sempre ele é bem entendido. Quando ele geme alguns dizem que canta, e quando ele canta há quem diga que ouve gemidos. Tão misterioso é, que o nome do instrumento que se presta a entender e mostrar sua direção, foi batizado de biruta. Apesar de tudo isso, não é difícil concordar com o escritor Fernando Pessoa que diz: "Só para ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido".