As misses
         e as
coxas grossas

    Não perco os concursos que escolhem a Miss Brasil e a Miss Universo. Estão rindo de mim por quê? É verdade, só não os assisto quando motivos de ordem superior me impedem de fazê-lo.
     Este ano, o sono não me deixou ver a eleição da Carla Lopes, a angolana considerada, agora, a mulher mais bonita do mundo. Que ela é uma mulher muito bonita, eu não tenho a menor dúvida; se ela é a mulher mais bonita do mundo, não posso garantir. De repente, no sertão do meu Ceará mora uma matutinha que, na sua versão original, ganharia, de goleada, qualquer concurso de beleza.
     Mas o jure andou certo quando deu à linda africana o título de "rainha da beleza universal", como diz uma marchinha baina feita, em 1968, para homenagear a soteropolitana Marta Vasconcelos, eleita Miss Universo.
    Marta Vasconcelos foi avaliada como uma mulher de corpo perfeito. Sem, portanto, as duas polegadas a mais nos quadris que, em 1954, tiraram de sua conterrânea, Marta Rocha, o cetro de Miss Universo.
    Nesse ano, venceu a miss Estados Unidos, Miriam Stevenson, achando, porém, o mundo inteiro, que a coroa deveria ter sido entregue à fisicamente prendada Marta Rocha, filha de Salvador, essa cidade de contornos femininos.
     Por que escrevo esta crônica? Dois motivos, que se entrelaçam e se completam, levaram-me a rabiscá-la.
    O primeiro. Como acima afirmei, amarro-me, demais, nos concursos de Misses. Um evento elegante e divertido. Empolgo-me, e viajo nas "dobras" irretocáveis da maioria das meninas candidatas.
     É como eu digo sempre: muito melhor aplaudir essas mancebas nas passarelas, vestidas ou seminuas, do que veressa gente de um partido político qualquer a dizer mentiras; acompanhar uma blitz policial; assistir uma sessão do Congresso Nacional; ou ver o Lula discursando.
     O segundo motivo estaria numa crônica do Luiz Fernando Veríssimo, recentemente publicada nas principais gazetas deste país. 
     Seu título: Para onde foram as coxas grossas? E mais objetivo, mais incisivo, ele indaga: ..."para onde foram as mulheres ancudas e de coxas grossas?"
    E faz esta observação: "Durante anos o padrão de mulher `boa` noBrasil foi a vedete tipo violão, com mais ancas do que peito. Que fim as levou?"
     Para o espirituoso e irônico cronista dos pampas - baseando-se, como ele mesmo afirma, na opinião de estudiosos - comcorreu para o desaparecimento das mulheres de coxas grossas "a derrota de Marta Rocha por excesso de quadris num concurso de Miss Universo".
     Seja qual for o motivo, o negócio agora é emagrecer: fazendo extravagantes dietas; tomando remédios exóticos; ou frequentando academias caríssimas.
   As jovens mulheres (só as mulheres jovens?), que têm algumas polegadas a mais, não raro, mostram-se constrangidas quando se olham no espelho. E ao se compararem com as chamadas "mulheres enxutas", chegam a entrar em pânico. De súbito, elas aparecem diante dos nossos olhos como autênticas anoréxicas.
     Vale anotar, que ser gordinha, e, consequentemente, ter coxas grossas, na antiguidade, era sinal de beleza...
   A ponto de mexer com o sentimento religioso de uma Catarina de Siena e de uma Rosa de Lima, duas queridas bem-aventuradas, que, para não ficarem belas, recusavam o alimento que lhes era servido. Está num artigo do saudoso Moacyr Scliar, publicado em 2007, com este título: Santas e anoréxicas.
     O consagrado pintor Rubens, Peter Paul Rubens (1577-1640) pôs em suas telas mulheres gordinhas, portanto, mulheres de coxas grossas.      Telas que atravessam séculos enriquecendo as pinacotecas e enchendo de brilho e desejos os nossos olhos. Helena, seu grande amor, uma rechochudinha, Rubens não só casou com ela, como a eternizou, mostrando-a na sua formidável obra pictorial.
     Sem querer, nem de longe, consolá-las, às mulheres de ancas e de coxas grossas, que segundo o Veríssimo andam sumidas, diria que se não desesperem...
   Poderão não frequentar o pódio da beleza universal, posto que, as candidatas a miss estão, hoje, enquadradas  nas chamadas "convenções internacionais de beleza", que parece, não, excluem a mulher com algumas polecadas a mais nos quadris.
   Mas não faltará quem lhes chame de rainha e lhes faça donas de suas carícias. E isso é o que vale. A fama passa...
     Em tempo. Depois de tanto elogiar as mulheres de coxas grossas, quero deixar bem claro uma coisa: nada tenho contra as magrinhas, delgadinhas, enxutinhas, mulheres de coxas finas. Elas têm os seus inquestionáveis encantos...

Nota - Foto: Helena de Rubens

 

     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 20/09/2011
Reeditado em 28/11/2019
Código do texto: T3230786
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