Adultério e o Cristo Redentor

         O Cristo Redentor é uma medalha pequenina
         No rosário imenso da colina.

                                 Orlando Silva
                                 Carnaval de 1939

     Quando a gente desembarca no Galeão, e pega o rumo de alguns bairros cariocas, em boa parte do trajeto tem-se como companheira a estátua do Cristo Redentor.
     É impressionante como e onde essa belíssima estátua foi colocada! 
     A Natureza chegou e disse ao homem: o lugar dela é no morro do Corcovado.
     Ao que me parece, é o único morro do Rio de Janeiro que não necessitou de uma UPP para garantir-lhe a segurança e a paz que os cariocas pedem todas as horas.
     Majestoso, o Cristo Redentor parece - como alguém já andou dizendo por aí - envolver a Cidade Maravilhosa num afetuoso e interminável abraço. 
     Se você, meu caro leitor, não vê essa estátua como um símbolo religioso, olhe-a, sinta-a como se ela representasse um amigo leal, acolhedor e compreensível.
     Admire-a; ela, desde agosto de 2007, está entre as Sete Maravilhas do Mundo. Curtam-na; como fazem os egícios com suas pirâmides e os romanos com o seu velho e mutilado Coliseu.
     
     O sonho de ver um Cristo no alto do Corcovado nasceu no século XVII. 
     Um padre lazarista chamado Pedro Maria Boss teria sugerido à Princesa Isabel a construção do monumento católico.
     Mas, somente no dia 12 de outubro de 1931 a estátua do Cristo Redentor foi inaugurada.
     Portanto, em outubro deste ano, 2011, faz 80 anos que ela embeleza o céu do Rio de Janeiro, constituindo-se no seu principal cartão-postal.
     
     O Corcovado é, sem sombra de dúvida, um lugar ideal para, como dizem os espanhóis, sacar uma bela foto. 
     Todos - inclusive agnósticos, hereges, indiferentes - todos querem "tirar um retrato" aos pés do Cristo.
     Casais apaixonados, casais em lua-de-mel , visitantes solitários ou bem acompanhados não hesitam em disparar suas digitais, colhendo aquela foto inesquecível.
     Até o papa já esteve por lá. Quem? o papa Karol Wojtyla.
     
     Tô lendo na gazeta o seguinte: "O outdoor de um site de relacionamento, especializado em relações extraconjugais, está provocando polêmica no Rio de Janeiro.
     A propaganda tem a imagem do Cristo Redentor ao lado dos dizeres: "Tenha um caso agora! Arrependa-se depois."
     Era de se esperar uma reação das autoridades eclesiásticas do Rio de Janeiro. 
     E ela não tardou: "A Arquidiocese repudia com veemência essa propaganda com o uso do Cristo, cujo direito de imagem pertence à Cúria. Ainda mais num anúncio que prega o adultério."
     A Mitra Arquiepiscopal do Rio teve legítimo o seu direito de formular o protesto, alegando, inclusive, que o outdoor "prega o adultério", prática condenada pela Igreja. 
     E não inventou nada. 
     No Evangelho de Lucas, por exemplo, lê-se que "Quem repudiar sua mulher e casar com outra cometerá adultério, e aquele que casa com mulher repudiada pelo marido também comete adultério."
     Claro que a norma bíblica parece-me impossível de ser observada à risca pelos homens e mulheres, filhos e filhas assanhados do Terceiro Milênio.
     Um lembrete: no nosso Direito, o adultério só se tipifica com a ida do homem ou da mulher ao leito de outrem de sexo contrário. Adulterium: Ad alterum torum ire.
     Me dizem alguns colegas advogados, que faltaria espaço nas estantes dos cartórios se todos os crimes de adultério chegassem às Varas competentes. O negócio tá feio!
     
     Nada contra que alguém use e abuse do referido site de relacionamento, para viver seus momentos extraconjugais. 
     Restou provado que milhares já o visitaram. 
     Mas sua propaganda, em outdoor, usando a estátua do Cristo Redentor, ao lado da recomendação "Tenha um caso agora! Arrependa-se depois!", me pareceu provocativa, e, até certo ponto, desrespeitosa.
     O Cristo do Corcovado podia ter sido substituído, digamos, pelo Pão de Açúcar ou pela enseada de Botafogo, dois lugares também de incrível romantismo. 
     Os idealizadores do outdoor, que, segundo a Cúria, "prega o adultério", poderiam ter evitado ilustrá-lo com a figura do Cristo do Corcovado.
     Embora se saiba que o primeiro nome do Corcovado - nome que lhe foi dado pelos portugueses no século XVI - tenha sido Pico da Tentação
              

               
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 03/09/2011
Reeditado em 03/09/2011
Código do texto: T3198266