TELEFONE SEM VOZ (EC)
 
Um belo dia, o celular começou a tocar, sempre em torno da mesma hora: sete e meia da manhã. Dia sim, dia não... dia sim, dois não... alguém ligava, e não dizia nada. Assim foi por umas duas semanas.

Às primeiras ligações, ela tentou ajudar; afinal o seu aparelho não tinha um sinal muito bom, na chácara onde morava. Gritava:

- Alôôô!

Esperava, gritava de novo, e nada... o outro lado ficava mudo. Tentava explicar ao interlocutor que ligasse de um aparelho com número, que ela chamaria de volta, mas nada... Não obtinha resposta. Quem quer que fosse, usava um telefone sem identificação, e não falava nunca. Nem barulho fazia. Só aquele silêncio que, aos poucos, a foi enervando.

Com o passar dos dias, deixou de falar, apenas atendia e, quando percebia que era aquela ligação, desligava. Começou a achar que havia um padrão naqueles telefonemas. O mesmo horário, o silêncio, alguém que esperava até ela desligar...

Quem seria? Certamente, não era pessoa que queria alguma coisa. Se fosse, ligava de outro telefone, mandava mensagem. Talvez quisesse apenas escutar a sua voz, sem ser reconhecido.

Então, ela o conhecia! Porque será que o imaginava do gênero masculino? Só um homem faria isso... Um homem? Mas quem?

A imaginação voôu longe. Só podia ser ele! Ele, que gostava de fazer caminhadas de manhã cedo. Certamente, parava em um lugar quieto, sem barulho, e ligava para ela, só para ouvir a sua voz... Ou ligava de casa, antes de sair?

A ideia a fez sonhar. Tantos anos... uns dez? Muito tempo, mas o que tinha havido entre eles foi intenso, difícil de esquecer. Ele, certamente, não teria esquecido os momentos que passaram juntos, as escapadas que ele dava – era casado – para vê-la, nos horários mais estranhos, nas situações mais inusitadas. E era tudo muito bom, porque tinha gosto de proibido, de pecado.

Ele dizia que ia se separar, que o casamento era apenas de fachada. E ela acreditou. Pelo menos por um tempo. Até que percebeu que ele nunca seria totalmente dela. Então, foi se afastando, sofreu, sofreram ambos. Mas era melhor assim.

E agora? O que teria acontecido para ele voltar a procurá-la? Estaria criando coragem para lhe falar? A mulher teria morrido? Teriam finalmente se separado?

Até que estava gostando da possibilidade. Eles davam-se bem na cama... foi um dos seus melhores namoros. Como seria, agora? Ele estaria mais velho, claro! Ela também estava! Dez anos não passam em vão!

Sem querer, passou a mão nos cabelos, num gesto coquete.

Já sentia falta da ligação, nos dias em que ela não vinha. Acreditava vê-lo do outro lado, preso da respiração dela, sonhando também...

Nesse dia, a campainha tocou, de novo, às sete e meia.

Desta vez, atendeu ansiosa:

- Alô! Alô...

- Doralice? Sou eu, Letícia! - responderam do outro lado.

- Quem? - assustou-se.

- É a Letícia, mulher! Estou tentando ligar para você, há vários dias. O meu aparelho estava com defeito: eu escutava você e você não me ouvia. Como vai? Como andam as coisas?


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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Pelo Telefone
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Gy Emygdio
Enviado por Gy Emygdio em 29/08/2011
Reeditado em 20/09/2011
Código do texto: T3188505