"O Avô e a neta" ost-Lisy Telles


Recordando meu avô



Guardo lembranças que são alicerces para meu viver. Lembrança de meus pais, de meus sogros e principalmente de meus avos.
Convivi com minha avó por parte de mãe e meu avô por parte de pai. Ambos, de temperamento e origem diferente, foram essenciais em minha formação. Entretanto ninguém foi tão importante quanto meu avô.
Costumo dizer que tive um avô como os de livros de história: Amigo, companheiro e cheio de amor por mim. Ele era português de nascimento, mas brasileiro de vida e coração. Veio para o Brasil aos dois anos de idade. Ainda jovem, foi trabalhar numa grande fabrica de cigarros que ficava perto de sua casa. Trabalhou ali por cinqüenta e cinco anos; sem ter tido uma falta. Sabia lidar com todas as maquinas da fábrica e chegou a gerente. Não tinha muito estudo. Aprendeu a ler sozinho. Entretanto, tinha opinião formada sobre tudo e mantinha-se ciente de todas as notícias. Lia o jornal de ponta a ponta; até os anúncios. Quando se aposentou, não por que quisesse, mas por pressão: Foi homenageado como empregado exemplar. Recebeu, na ocasião, um relógio com a gravação: “Ao Sr. Telles, como reconhecimento pelos cinqüenta e cinco anos de serviços prestados. Honra ao mérito”. Seus filhos reclamaram achando que era pouco. Porem, o Velho Telles exibia o relógio com maior orgulho.

Com meu avô aproveitei todas as datas festivas: Natal, Ano Novo, carnaval, Páscoa, Festas Juninas e até... Finados, quando ia visitar o tumulo de minha avó que eu não chegara a conhecer.
.Quando comecei a namorar e nossas saídas diminuíram: Meu avô não reclamou. Continuou me apoiando.

Na minha formatura, foi com ele que entrei na igreja e de quem recebi o anel..
Ao ficar noiva, meu pai transferiu para o velho Telles a resposta ao pedido.
Meu noivo precisava crismar para casar. Foi meu avô o padrinho.
No meu casamento: Foi ele quem me acompanhou no carro, no lugar da madrinha e me levou até o altar.

Já casada: Ele me visitava toda semana.
Quando fui de mudança para o sul, levando meu bebe de quatro meses, ele me disse: “Acho que nunca mais vou te ver”. Ao que respondi: Não se preocupe, eu volto. E voltei com mais uma filha.

Lembro-me dele com sua costumeira boina... Já velho e cansado, andando devagar: Chegava a minha casa, almoçava e depois ia embora.
Ele estava velho e eu muito ocupada com meus filhos.

Eu o amava!... Mais do que supunha.

No caminhar da vida, somos levados a nos afastar de quem queremos bem.
Entretanto... Na Semana Santa, eu sempre procurava estar com ele. Assim, naquele ano, entre um compromisso e outro: Eu, meu marido e as crianças, fomos almoçar em sua casa. Na hora da despedida: Ele me abraçou e segredou: “Eu gosto de todos, mas igual a você não gosto de ninguém.”.
Nunca mais eu ouviria sua voz nem esqueceria suas palavras.
Dias depois fui chamada, às pressas, a casa dele.
Meu avô não estava bem.
Sai correndo. Peguei um táxi. Quando cheguei a sua casa ele acabara de falecer.
Dentro de mim uma voz gritava: Então é assim.. A luta um dia termina e você tem que enfrentar... Não adianta chorar. E não chorei.

Por trama do destino: Seria eu a levar meu avô até o cemitério. Dentro do carro fúnebre, sozinha, sentada ao lado do caixão, anestesiada pela dor, eu acompanhava firme, aquele que estivera sempre a meu lado.
Percebia, naquele momento, enquanto o carro cruzava a cidade, a sutileza existente entre vida e morte.
Enquanto enfrentava a dor, descobria uma força que não supunha possuir, e que me dizia:
Nós passamos, mas a Vida, absurdamente, continua...







Lisyt
Enviado por Lisyt em 26/07/2011
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