O BAÚ DO SÉCULO
“O Baú da Gaiatice”, livro do poeta Arievaldo Viana, foi lançado em Canindé em junho de 1999, portanto, no último ano do século passado. (Dá um estremecimento na alma quando se fala no século que passou, tendo sido nós personagens dentro dele. E mais atônitos ainda nos deixa a ideia de que essa época também fechou o milênio. Mas o nosso comentário aqui não é em torno do tempo e sim do livro.) O próprio Ari não recorda a data exata do evento, sabe apenas que foi numa noite de fogueira, mais provavelmente de S. Pedro. O que todos nós recordamos com fidelidade é que foi um momento de glória para o poeta e, de sobra, para todos nós que temos nosso nome registrado nessa publicação humorística. A solenidade de lançamento aconteceu no salão do extinto Bar Canindé nº 2, então comandado por nossa amiga Socorro Bastos. Naquele momento, juntou-se ali de alma nova a turma de amigos canindeenses que vez por outra alegremente vão bater à porta do Parnaso.
Para dar um ar mais festivo àquela noite, Arievaldo teve a diligência de contratar o sanfoneiro Pedro do Edmundo, um dos melhores puxadores de fole desta região e que ainda vem ser parente do nosso poeta. A cerimônia, capitaneada pelo radialista Assis Vieira e coordenada pelo Beethoven (Toinho Pereira), teve a nota certa para a ocasião. Tudo aconteceu de modo espontâneo e muito espirituoso. Aberta a solenidade, vieram em seguida os discursos, comentários, encômios, palmas e os primeiros brindes. Não faltaram as tiradas jocosas do Jota Batista que além disso encantou a plateia com a voz e o violão. Airevaldo, protagonista da festa, em algum momento deixou a mesa de autógrafos, pegou do microfone, fez recitações e debulhou gaiatices de dentro e de fora do seu “Baú”.
A poesia matuta teve seu momento de graça com as declamações eloquentes do poeta Natan Marreiro. A certa altura, também fui intimado a dizer alguma coisa para a plateia, como mostram raras fotos que Ari desenterrou de um velho álbum. Quem também figurou por lá e nada declamou foi o poeta Mário Lira, que guarda inédito desde brochote o seu livro de sonetos “O Braço de Deus”. Não se sabe até hoje por que cargas dágua o literato Silvio R. Santos deixou de comparecer. Ele mesmo não sabe. Presença infalível nessas ocasiões, atendeu ainda ao convite o Capitão Arimateia Bezerra, profundo entusiasta da cultura canindeense. E, para dar mais peso ao acontecimento, o editor do livro, vindo de Fortaleza, Vescenço Fernandes. Além desses, muitos populares prestigiaram a festa, convidados ou não.
“O Baú da Gaiatice” veio assim à lume no último ano do século XX naquela noite distante de junho. Foi um marco literário, depois do longo hiato que separava a cultura local da aclamação pública. Durante longo tempo, não se via publicada uma obra mais vultosa na cidade, além de pingados folhetos artesanais de cordel ou trabalhos fortuitamento saídos na imprensa mirim. O livro de Arievaldo há pouco já havia sido lançado em Fortaleza e foi comentado na imprensa alencarina, entre outras, por uma das melhores penas do jornalismo cearense, o saudoso Blanchard Girão. O sucesso editorial do “Baú” puxou no ano seguinte a segunda edição da obra; ambos os volumes estão entre os melhores desse filão literário. Ainda sobre o lançamento em Canindé, é desnecessário dizer que o sarau foi bem regado. Ari confessa ainda que não tem nem a microrrecordação de como a festa terminou. Nem eu. Mas, folheando agora o “Baú” doze anos depois, lembro o corre-corre do Ari para publicar seu livro, indo a uma porta e outra, pressuroso em busca de apoio patronal e editorial, como que vendo a hora o século terminar e a obra não sair da gaveta. Seu esforço não foi em vão. Efetivamente, o século passou e a obra ficou.