Um homem realizado

Venho de um lugar diferente, em que preguiças sorriem livres na praça. Na mesma praça, turistas são quase sufocados por cambalacheiros, vendendo cacos de vidro lapidados e algumas pedras semipreciosas. Uma definição para Teófilo Otoni seria “um buraco cercado de morros por todos os lados”. Ah, mas como eu amo aquele buraco!

Já fui de tudo um pouco. Fiz filosofia, teologia, quase fui padre, acabei virando pastor. Fiz Direito por falha de comunicação com meu pai. Ele disse para eu fazer o curso que eu quisesse, mas que eu fizesse direito. Daí, fiz vestibular pra Direito e passei. Não tive coragem de dizer que eu queria era ser professor primário. Fui descobrir a falha doze anos depois de formado, quando escrevi uma poesia para ele e, numa estrofe, eu disse: amo-te bacharel, que sem fazer escarcéu, ditou-me fazer direito, ao que entendi: sê perfeito. Quando li direito toda minúscula, percebi. E resolvi fazer Pedagogia, tirando grande peso das nossas costas. Até advogo com mais folga.

Formado em Direito, fui quase delegado, a prova discursiva de processo penal que me pegou. Bem dizem que o crime não compensa. Podiam mesmo era mandar prender esse lugar comum. Depois fui polícia militar, mas durei pouco na academia. Na época, foi o salário que não compensou. Correr atrás de bandido por salário mínimo, tendo que pagar a própria munição não foi nada atraente.

Fazendo Pedagogia, tive o privilégio de ser professor auxiliar de vinte crianças entre cinco e seis anos, numa classe de alfabetização, entre elas meu filho. Foi o tempo em que mais aprendi em toda a minha vida. Criança ensina cada coisa pra gente. Arrisco até dizer que aprendi mais do que ensinei.

Passei num concurso público e o diretor, dono da escola e grande amigo meu, demitiu-me dizendo que queria o melhor para mim, que eu tenho potencial para crescer. Nem serviram meus argumentos de que o melhor lugar para eu crescer é junto aos pequenos.

Nestas andanças, arrisco-me a escrever algumas coisas, às vezes em versos, outras em prosa. Até participei de uma oficina para consertar meus textos. Como dói a tal da navalha na carne, ver um filho parido ser retalhado, os versos tachados de rima pobre — nessa hora eu penso: a rima é pobre mas o sentimento é nobre -, a prosa tida por presa demais. Mas, como minha mãe dizia ao mandar goela abaixo o vermífugo semestral, “é ruim mas é bom”.

Dizem que para o homem se realizar precisa ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Filho, já tenho dois; árvores, plantei algumas; quanto ao livro, um foi gerado e outros estão em processo de gestação.