UM BRASILEIRO A MENOS?

Diz a minha avó: “acordou entre os passarinhos?”. Basta que se levante animado, alegre, feliz... Ficar entre os passarinhos, na idade toda da minha avó, sempre foi estar contente.

Cansei... Cansei! – entona-se na voz do Cauby: “Cantei... Cantei, Até ficar com dó de mim...!” – e sinta o que eu tento: Cansei... Cansei!, cansaço de saber que a razão não é o suficiente. É preciso ter desistência para poder suportar...

...E não é que no Brasil a cerimônia para que se as obras ergam (a elas, nem a palavra justa se posiciona!) ocorre por conta dos desaforos? Estádios estão atrasados, pois ainda não se situaram sobre as comissões. Exclamação!

Não quanto aos valores: isso é careca de sabido! Mas a ordem: quem leva o quê? E de onde virá?

Desde os tempos da minha avó as coisas são assim. Antes do tempo da avó da minha avó, o jeito era esse: brasileiro é o chão do privilégio!

Sabia que as empreiteiras levarão abono de impostos, algo que passará de incontáveis novecentos milhões de reais? Saiba você, que sabe tão bem, o Brasil é terra sem letra e sem dente, mas tão indigente, que está na inalcançável octogésima quarta posição entre os países, na parte das ofertas de saúde pública e acesso à educação ao seu povo. Isso segundo a ONU, que ainda por cima mal sabe e nem sente o que é viver no Brasil!

Pois bem, a Copa atrai as atenções. Diria a mãe de minha avó, certamente: “quer aparecer? ponha uma melancia na cabeça!”. Ou seja, Carmem Miranda nasceu da zombaria dos nossos antepassados! Colocou bananas, abadás e abacaxis sobre o coco; chamou de balangandãs tudo aquilo que colorisse e balançasse. Fez a América com tamanha oferta que faturou o suficiente para Caymmi passar o resto dos dias numa rede. Consterna ver que o visto é apenas o imaginado: a gente somos um cesto de frutos: na cabeça!

Nós não sabe, nem quer saber, o que importa é comemorar: nos interessa a Taça! O resto é lorota!

A Copa atrai as atenções. Serão diversos investimentos. Quem não quer o lucro avolumado? Quem não quer tirar proveito de um Estado que incentiva, usando a Copa como exemplo: “vem pra cá, que está isento!”?

Sabe você, que não há para você, caso seja você um simples brasileiro: você: Abono nenhum! Nenhum!

Pois é...

Mas perguntar não ofende: se há liberdade para abrir mão de tanto imposto em função de um evento, por que falta para a saúde? Por que a gente está carente de educação?

Fica na letra dos cartazes: capital há! Capital, há!

E conservam-se os parênteses: para as escolas, não! Para as escolas, não!

Precisou repetir, para ver se decora! Consternado também com o papel de burro? – verá você, indigente como eu, que Andrew Jennings, jornalista britânico, havia denunciado: “teremos Copa no Brasil. Após, Oriente Médio ou Rússia.” – e olha você, com olhos de rapina que não vêem além do umbigo, tais como os meus: Copa na África do Sul, depois Brasil, Dubai e Rússia. Esta é a sequência. Assim foram as escolhas. Trocando em graúdos: dos Estados mais clientelistas e propensos à corrupção é que a FIFA precisa!

Já ouvir falar em nepotismo? E na construtora amiga do governador do Estado do Rio que é a “licitada” para as obras do Maracanã? E se essa mesma obra sempre custar trinta por cento a mais do que o estabelecido no orçado inicialmente?

Sim, é papo chato de quem observa pelo lado anti-heróico das coisas, mais ou menos o que convencionou-se chamar diariamente de 'visão negativa'. Ocorre que o texto todo trata daquilo que (não) vemos.

Mas nunca ambiciona um ensaio de cegueiras. É apenas – e exclusivamente – uma posição, uma precisão, uma emergência. Senão, jamais lhe deveria lembrar que nestes seis ou sete minutos desperdiçados até esta linha, uma ou duas pessoas se deitaram definitivamente com o silêncio, na fila engordurada da saúde pública brasileira. Sim, foi por falta de atendimento: total ou adequada.

Qual o preço de ser brasileiro e viver no Brasil?

Caso seja você um desses que aceita, aceita e aceita com certeza, basta pintar o rosto de verde-amarelo que a Copa vem aí: e a nossa obrigação é vencê-la. Só. Caso seja você um outro, e apenas isso, decerto lhe ocorrerá menor vontade de acordar entre os passarinhos. Acabará um tanto indignado, fatalmente cairá em febre. Brasil: 40 graus!

Já surge um novo sentimento ordenado: “ou torce pelo Brasil e acabou, ou é antibrasileiro!”.

Daí eu escolho acordar com as galinhas – não para contrariar o sorriso de minha avó: jamais! – e assim percebo que é melhor observar tudo, todos, tanto. Ser possível: estar vivo!

Talvez um brasileiro a menos na festa. Mas, sem dúvida alguma, o sujeito que o Brasil precisa.