O Pingo se foi...  II
 
Entre abraços, o meu amigo comovido, entre lágrimas escorrendo de seus olhos, disse-me:
- O Pingo se foi! Agora eu posso ir ás muralhas da china.
Recostei-o ao meu corpo por instantes, para sair de sua presença, repleto de pensamentos desencontrados...
O Pingo era um Pinscher de vinte anos, cego, que passou por um procedimento veterinário e não resistiu...
Contou-me o meu amigo, que antes da internação, ele o Pingo corria pela casa, esbarrando nas coisas devido à falta de visão... Mas que enquanto as panelas fumegavam no fogão, ele a sua frente se postava na espera de alimentação...
Quando todos estavam á mesa, bastava estender a mão com um bocado de comida, que para ali feliz da vida, viesse o Pinscher sabichão!
-Agora eu posso ir ás muralhas da china... Frase pequena, com um enorme significado; com a partida do idoso cão, abrem-se brechas para uma maior locomoção de seus donos... Libertos das amarras da responsabilidade com o Pingo, e assim as muralhas da china, independente da distância é um objetivo possível de se alcançar...
O que discuto aqui não se trata de se estar liberto de uma responsabilidade, mas sim do que significa amar.
Entre meus pensamentos ocorreu-me a passagem do Pequeno Príncipe, em que ele em conversa com a raposa fala da responsabilidade que se tem quando se cativa um ser vivo, semelhante a si ou não...
E assim, tocou-me o coração!
Quantos desistem de assumir responsabilidades perante outros, familiares ou não, animais domésticos ou não, que guardadas as devidas proporções são seres vivos, com sentimentos e necessidades próprias... A extrema individualidade nos dias de hoje, que dá o tom dos dias que correm, corroem os laços sentimentais entre todos os seres vivos, e dentre as pessoas constroem enormes abismos, quase intransponíveis...
Amar também é ter alguma responsabilidade sobre o ser amado, mesmo que em nível de se ter apenas alguma consideração pelo outro.
Neste caso, o ser amado era o Pingo, um pinscher, um cão, um animal, dito irracional...
Mas, enquanto não se der o devido respeito a todos que nos cercam e uma devida atenção, quase nada importa quem sejam...
Assim, a morte do pequenino, só traz alivio pelo fato de que ele não mais sofrerá, pois deixou marcas indeléveis no coração de meu amigo e todos de sua família. E por conseqüência direta, esta libertação será acompanhada pelo alivio dado por um trabalho realizado, cheio de respeito e carinho... Esta libertação será acompanhada de sensações alegres e edificantes!
Quantos se recusam em assumir responsabilidades perante si mesmas e outros? E privam-se da maravilhosa experiência que é se doar... Seriam passiveis de se decepcionar, mas também de se engrandecerem e serem pessoas melhores, com uma experiência a mais na bagagem que levarão consigo á eternidade.
O Pingo se foi! Como todos, dia menos dia irão! Fica, no entanto a grata sensação de amor compartilhado, carinhos trocados, sinceros afagos em muitas almas e corações...
Viver é isso... Doação!
E amar é uma atitude que necessita de doação, com certa pitada de auto valorização...
Amar sem se doar é egoísmo!
Que meu amigo vá ás muralhas da china, vá onde quiser, a presença de Pingo consigo sempre estará!
Quem poderá afirmar que diante de uma panela fumegando lá nas muralhas o Pingo não estará?
 
Edvaldo Rosa
www.sacpaixao.net
24/06/2011