Romeu no cemitério



Romeu no cemitério

“Fala-me anjo de luz!É glorioso.
A minha vista na janela a noite (Shakespeare)
Como alado mensageiro..”

Jovem ignoto leitor e amigo,no alto de minhas seis décadas de vida,sinto
as mudanças por que passam os sentimentos ,ou a expressão destes.
Os poetas chamavam de musas as suas amadas e dedicavam o brilho da estrela Aldebaran ,outros pegavam as flores a beira do abismo como prova de adoração.Os amantes de Verona ficavam a trocar juras platônicas de amor;”O QUE HÁ POIS,NUM NOME?AQUILO QUE CHAMAMOS ROSA,MESMO COM OUTRO NOME,CHEIRARIA MUITO BEM”...
Tristão que morreu voluntariamente por Isolda,e outros casais,Abelardo e Heloisa que “fogem” do mundo por amor.
Amigo leitor ,assim ,ficavam os jovens de minha época a reverenciar a eleita,colocavam num altar quase inatingível e ofereciam juras ardentes de amor.
Pois bem, no final dos anos sessenta, estava eu no primeiro ano de medicina,quando meus olhos de jovem e imaturo mancebo encontraram pequena jovem ,que também cursava a mesma carreira.Romeu, em seu
Intrépido rompante de lirismo vaticinou;”Ei-La meu caro amigo,estenda
teu casaco sobre o chão para que ela ,graciosa ,possa passar sem contaminar-se com as impurezas mundanas”
Com o coração a sair pela boca,aproximei-me e,trêmulo ,indaguei das
necessidades de minha eleita.Com um jeitinho angelical,ela proferiu estas
frases de um romantismo que daria inveja aos grandes românticos.”Eu estava precisando de um esqueleto para estudar anatomia”.Tal frase produziu em mim uma revolução!
Cuidei,imediatamente,de conseguir e atender o seu pedido,afinal,um esqueletinho,magrinho, branquinho,com caveirinha sorrindo é fácil!
Entrei em contato com colegas de outras faculdades e a resposta foi a mesma;”Os ossos estão em falta e o preço está pela hora da morte!”
Caro leitor,perdoe-me por este infame trocadilho,mas,o impulso foi terrível...
Nestas horas de incerteza,quando se pensa que ouviremos um conselho sensato,qual nada!...Pois bem,um colega de ano mais avançado sugeriu-me visitar um cemitério e obter do coveiro o material desejado.
Coloquei meu boné verde com penacho ,símbolo da família Montecchio e rumei para o cemitério do catumbi,local de sepultamento de indigentes.
Prontamente,encontrei o coveiro “ferrinho” que,mediante,um “cafezinho”,liberaria um esqueleto de boa qualidade...
=“Sabe, doutor, quase todos os dias,vem um colega seu pegar para estudo,”Pela primeira vez,ouvi ser chamado de doutor...
“-Só tem um detalhe.O senhor tem que passar aqui a noite.
Eu que era ouvinte do programa aterrorizante “incrível,fantástico,extraordinário” apresentado pela poderosa voz de Almirante ,imaginei o que ,ainda viria passar.
Confesso,sem pudor,que uma onda de insegurança percorreu meu corpo e,desta forma,solicitei ajuda a meu amigo de infância,o Jonas que estudava,advinhem o que?Engenharia.!Invoquei ajuda a São Elesbão e ao anjo Osvaldo,este último,um tanto irresponsável...
Com o reforço de meu colega,adentramos,sob as trevas da noite,no cemitério e deparamos com o ‘ferrinho”sorrindo de uma forma estranha,como que sabendo da paura que sofríamos.Entregou dois sacos de cimento Mauá repletos de ossos e, pegamos o ônibus com destino a laranjeira ,direto a casa de minha musa.
Recebidos,cordialmente,com um copázio de café com leite para recobramos as energias,sentamos a mesa e iniciamos o repasto revigorante.O Jonas não parava de tremer, no que entornou sobre a mesa,cuidadosamente posta,todo o conteúdo de seu copo.
Minha amada,ficou extasiada com o presente sepulcral e ignorou o pobre
Romeu que,derramava internas lagrimas de satisfação pelo desejo realizado...