Zé Ninguém (ou José de Qualquer Coisa)

A vontade de ser José faz de mim um Zé Possível.

Estou batalhando para isso.

Ter um nome completo: “José”. E, daí adiante, passar a ser vistoso: “José de Alguma Coisa”.

Nome completo com sobrenome em punho. Assim assinarei a minha declaração de futuro.

“José?”

“Sim, eu mesmo!”

“José de que?”

“De qualquer coisa!”

Ah, garoto! viu só? Qualquer coisa no nome – desde que seja um nome – vale o meu sonho. Ah, garoto! – passei garoto sendo apenas um Zé sem ninguém e mais nada. E sabe você o quanto custou isso tudo? – ou seja, ser nada?

A minha mãe era um casulo. O meu pai, um invasor (coisa que, no fundo, todos os pais são). Avós, pouco tive. Tios apenas oprimiam. A minha família era ninguém.

Ah, mas os amigos...! Tive muitos! Todos! – grãos da areia pelas quais eu nunca andei; estrelas da bandeira que deixou de me vestir; números dos telefones que eu não anotaria; as contas: quem não se cansou de tanta conta? – elas todas, minhas amigas: todas! E que intimidade trago eu com as gotículas da água do chuveiro! Precisa ver você. E daí que banho quente eu nem conheci?

Foi neles – os amigos – que eu me apoiei! E a eles – amigos! – faço questão de agradecer e homenagear todos os dias.

Adoro o senso-comum! Uso da mais profunda devoção por metáforas de gota d’água, grãos de areia, farelos no coração... Fui criado em Hollywood, sem cinema e sem efeito. Pensa você que saí eu dos pneus, nénão? Pois é, meu Zé é Zé também, que por si só, óbvio, é Zé ninguém; ninguém também ninguém, também ninguém também, compreende? Quem consegue ser tudo isso? Ninguém. Você também.

E se também é ninguém, você como também, é quem?

Zé. Somos todos Zé.

Zé que traga cada um o seu sonho. O meu é ser José.

Como nome, sobrenome, assinatura e identificação.

Chega de rubrica. Chega de ser só rascunho.

Se a vontade é ser presente, gente viva é só futuro: coisa assim que já passou:

– amanhã, trocarei minha armadura.

Serei ferro, fonte e chuva. Olharei a minha história pelo espelho transparente: metade vontade, metade insurgente, metade do avesso (pela terceira metade, serei um Zé assim, aparente: do lado de fora, atraente; por trás, apenas indiferente: sem ninguém, tal como somos nós).

Visto por cima, é José.

Buscado por dentro: nem te conto...

O meu predicado é ter um sonho. Para isso, vim ao mundo ninguém.

E você, cara pessoa, é quem?