MULHER DA VIDA

Ao conversar certa feita, numa praça pública com uma jovem que morava pelas ruas, percebi que ela não queria muito assunto comigo, mas tratei de dizer que eu não era 'polícia', não iria prejudicá-la, mas apenas queria bater um papo com ela, afinal eu era um ser humano igual a ela, nada mais.

Consegui travar uma conversa com Marilda (nome fictício), e disse:
- Olha, quando você nasceu deve ter sido uma linda bebê, não foi?
- É, minha mãe cuidava bem de mim. Eu era gordinha, toda banhadinha e comia muito.
- Como foi sua juventude? Questionei.
- Ah, aí a senhora já tá querendo saber demais. Disse ela.
- Olha, me fala só um pedaço de tua história que eu te conto um pedaço da minha também. Ressaltei.
Daí, ela já respirou melhor, os olhos lacrimejaram, as mãos ficaram trêmulas e ela disse de cabeça baixa: - Foi muito ruim, senhora. Minha mãe arranjou um companheiro, ele mexia comigo (violência sexual), eu tinha 14 anos e quando eu fui dizer à mãe, ela me botou prá fora de casa, disse que eu estava mentindo e eu vim parar aqui na rua, onde estou até hoje.

Segurei a mão dela, passei a mão no seu rosto e disse:
- Você aprendeu o que aqui na rua?
- Aprendi a ser 'mulher da vida', ora. Disse para mim.
- Eu também sou mulher da vida, sabia? Falei.
Ela arregalou os olhos e disse: - Oxe, nem parece!
Daí eu disse: - Calma, calma vou te explicar melhor: Você e eu somos mulheres da vida. Mulheres da vida dura! Mulheres da vida marcada! Mulheres guerreiras! Mulheres batalhadoras! Contudo, eu escolhi casar, ter filhos, estudar, ter uma profissão e você trilhou caminhos diferentes e hoje se encontra assim meio tristonha.
- Mas não se preocupe, o que você sabe fazer além de ficar pela rua? Questionei.
- Sei fazer nada não, senhora, oxe.
- Ah, tá bem. Quem lava tuas roupas?
- Sou eu. Replicou
- Quem limpa teu quartinho?
- Sou eu, mulher.
- Quem cozinha teus alimentos?
- Sou eu, madame. Respondeu já meio que aborrecida com meus questionamentos.

Daí eu disse:
-Ah, então você sabe fazer outras coisas além de ficar perambulando pelas ruas, não é?
Segurei novamente suas mãos, olhei firme em seus olhos e disse:
- Marilda, a vida é feita de escolhas. Você pode nesta tarde mudar o curso da tua história. Não tenho preconceitos pelas tuas escolhas atuais, pelo contrário, tenho respeito e estou disposta a ajudar, mas sai desta situação, tenta arranjar um emprego, quem sabe de doméstica, faxineira, diarista, sei lá.
Findando, aquela criatura criou ânimo, sorriu para mim, acendeu um cigarro, baforou bem em cima do meu rosto, (confesso que quase desmaiei), depois ela me falou com firmeza:
- Vou pensar no assunto, viu?
Passados mais alguns meses, voltei lá na praça e perguntei às amigas dela, onde estava Marilda.
Elas me disseram:
- Deixou essa vida, senhora!
- Ela morreu? Questionei.
- Não! Ela tá trabalhando numa lanchonete, tá estudando e tá toda diferente!
Nada mais falei, saí dali chorando de tanta felicidade.
Plantei uma semente e ela germinou!
Fátima Burégio
Enviado por Fátima Burégio em 30/05/2011
Reeditado em 10/06/2011
Código do texto: T3004052
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