Mocinha da Bata Vermelha

"Não há nada tão ruim que uma mulher não consiga piorar".

Eu conjeturava sobre a origem dessas palavras - se elas haviam brotado na minha mente ou se era a variante de uma frase de um conto do Sakuma - quando ela aparece para corporificar com exímia maestria as tais palavras entre as aspas.

Metrô cheio da manhã e todo o blablablá; todo mundo já está careca de saber o inferno que isso significa. Ela veio e encostou, assim, de costas... Eu costumo deixar a minha mochila atravessada na frente do corpo pra não haver nenhum tipo de problema. Ainda bem.

Eu estava segurando no ferro (ui!) com a mão esquerda; o braço direito atravessado por cima da mochila, a mão segurando-a pela parte de baixo. Ela vem e encosta a bunda no dorso da tal mão direita. O contato foi rápido - já que eu troquei a mão de lugar -, porém, o suficiente para fazer miríades de cenas de sexo selvagem espocarem na minha mente.

Cabelo com luzes, liso de chapinha. Uma bata vermelha de lã e calça legging preta. Olho pra baixo e constato o que já sabia: bundinha redonda e empinada graças ao trabalho dos saltos-altos. E durinha, graças à malhação.

"E a lata", pensei, "como será?"

Ela dá uma olhadela meio que por cima do ombro.

Nariguda.

"Ai, meu pai".

O rapaz que estava recostado na porta, de frente pra ela, parecia estar tendo seu quinhão de sofrimento por estar diante de uma coisa boa que sabe que não pode ter; seus olhares ficavam indo e voltando do rosto dela e às vezes se encontravam com o(s) meu(s) - com um implícito e quase imperceptível apelo de concordância; depois fazia aquela cara de "Ai, quem sabe? Custa nada tentar". Homem é besta pra caralho, e, "o pior é que mulher consegue ser pior ainda neste mesmo conceito", pensei, lembrando da noite anterior, em que eu surpreendi duas raparigas da academia olhando pra mim e se abanando com as mãos.

Ao lado deste rapaz que sofria comigo em silêncio tinha um outro, olhando pra mim. Ocorreu-me que ele só não se abanou igual às meninas da academia por que estava com as mãos ocupadas se segurando e tal. A culpa é dessa cara de Fábio Júnior Jr. que eu fico quando meus cabelos começam a ficar cacheados e eu raspo a cara... E juro que adoraria descobrir o que essas bibas vêem em mim e que passa despercebido por 99,9% das mulheres deste mundão de meu Deus.

Muito bem, se eu ilustro toda a cena com os personagens adjacentes ao meu opróbrio matinal e hormonal é porque quero manter a atmosfera do que escrevo fidedigna à realidade. Ser mentalmente aleatório foi o subterfúgio que encontrei para ignorar que ela estava inclinada, apoiando as mãos na porta e empinando a bunda à distância da espessura de uma folha de sulfite do meu baixo ventre.

Houve um entra-e-sai e, ao mesmo tempo em que ela foi arremessada - de costas, ai de mim! - ao meu encontro, minha mochila foi jogada pro lado do meu corpo. Entende? Eu quis morrer! E pra piorar o cheiro do perfume dela é um conhecido meu de outros carnavais.

O trem resolveu ficar parado na plataforma com as portas fechadas, comigo naquela situação... O que fazer? Deus, ajuda eu?

E a mágica acontece: as portas se abrem e um movimento a joga pro meu lado direito. Pude respirar em paz. Quase agradeci a Deus.

Quase, porque entrou um trio ternura que botou a perder toda a minha gratidão e alívio. Três mulheres que carregam no sotaque, no dialeto, no trajar e no RESPIRAR aquela ostensiva e ofensiva POBREZA. E quando me refiro a POBREZA, não estou falando de poder aquisitivo. Você aí que está me lendo provavelmente ganha mais do que eu. Se não ganha mais do que eu, com certeza a sua conta não está tão negativa quanto a minha. Resumindo: não tenho autonomia pra ser altaneiro quanto a isso. Nem quanto a qualquer outra coisa. Enfim, caralho, as três se amontoaram na minha frente e começaram a conversar aos berros sobre um churrasco de laje que terminou em tiroteio, entre outras coisas de igual calibre.

O trem mal percorreu o trajeto de uma estação à outra e uma delas já havia me pedido desculpas três vezes por ter pisado no meu pé.

“Ai, mano, cinco minutos atrás aquele shampoo maravilhoso; agora esse cheiro de couro cabeludo carente de banho e esse outro cabelo aqui, infestado de Kolene me causando uma inenarrável ojeriza e irritando o meu nariz.”

Olhei pro teto.

"Fio, qual é teu nome?"

"Fio, você se parece com aqueles atores da Malhação, sabia?"

"Ela te achou bonito; tem jeito?"

Agora haviam duas bibas me olhando. Tipo querendo me salvar da exposição e vergonha, sabe?

“Passa o ‘numro’ do seu cerulá pra ela!”

A gostosa da bata vermelha quase não conseguiu conter o riso.

Minha mente bifurcou por pensamentos de preguiça e acabei voltando àquela frase sobre mulher piorar o que já é ruim e acabei chegando à seguinte conclusão: não há nada tão pior do que o que uma mulher já estragou e que três mulheres se esforçam ao máximo para arruinar até a extinção completa e irreversível.

Sei lá do que eu tô falando.

O metrô chegou na Sé e eu desembarquei.

Da escada rolante ainda pude ver a mocinha da bata vermelha se equilibrando nos saltos-altos.

Depois assisti uma briga de mendigos.

E tudo ficou bem.

Mentira.

24/05/2011 – 13h22

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 24/05/2011
Reeditado em 24/05/2011
Código do texto: T2990155
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.