Escritos de Varginha

O amor e as paixões

Tenho, a cada dia, uma enxurrada de paixões, mas um único amor. As paixões são várias, mas o amor é apenas um. O amor é algo que facilmente entranha. Torna-se extensão do corpo. Qual sombra. Mas a paixão é algo do cotidiano, imprevisível. O amor é rotina. Algo necessário. Sem amor não se vive, mas sem as paixões podemos passar, pois passamos de uma para outra. O amor é insubstituível. Só percebemos a força do amor quando somos retirados de sua presença. É que aí percebemos que jamais conseguimos ficar realmente distantes, pois a mente sempre nos remete ao amor. Mas quando estamos distantes o amor nos aparece em forma de saudade. Em outras palavras, o amor quando só pode ser real na mente é saudade.

Mas as paixões nos acompanham em qualquer lugar, pois são descartáveis. Passatempos. Algum refrigério temporário até que voltemos para o seio do amor. É como estar peregrinando, longe de casa, mas ansioso para o retorno. Ah, o retorno! A vida toda é esse anseio de retornar. A paixão inicia-se com a despedida para uma peregrinação e finda-se com a concretização do amor efetivada na volta. Todos que têm um amor, sentem as dores da paixão da peregrinação. Mas gozam infinitamente com as delícias do retorno.

Já senti as dores da paixão da literatura, da paixão da filosofia, da paixão da religião, da paixão protestante, da paixão das artes, das diversas paixões adolescentes, ah, a adolescência! Esta me foi cruel deveras! Mas quando encontrei o amor, minhas paixões tornaram-se lazer. Hobby. Quando encontrei aqueles cabelos encaracolados, aqueles olhos que procuram repouso em outros olhos que se completam, aquele sorriso terno e aquelas mãos doces que pousavam em meu rosto a acariciar, aquele abraço que pedia proteção e afago, aquelas curvas que introduzi uma outra vida e toda aquela cumplicidade da existência, descobri a diferença entre a paixão e o amor. E assim as paixões se renovam, mas o amor, qual dogma, se firma.

Varginha/MG, 13.10.05

PS: estou há 4 dias em Varginha e ainda não vi nenhum ET. A não ser que ele ande disfarçado por estas bandas mineiras. Apesar de ter visto ontem numa pizzaria um sujeito dançando esquisito na frente de uma caixa de som. Mas um colega disse que ele dançava um hip hop. ET que eu vi só de estátua na praça e uma réplica de disco voador.

PS2: encontrei alguns livros interessantes aqui num sebo de Varginha. Perguntei a vendedora sobre a história do ET, mas ela me disse não ter visto. Quando perguntei-lhe seu nome levei um susto. Katiúscia! Sim, esse é o nome dela. Foi sorriso geral.

PS3: se a senhora não quiser mais receber meus textos, por favor, mande-me uma mensagem que eu paro de enviá-los. Um abraço.

Cansaço

Quem já viu a face do cansaço? Ela tem as rugas salientes por todas as partes. Ela tem os olhos cabisbaixos e tristonhos. Olhos que teimam ver a vida por diversos anos. As sobrancelhas embranquiçadas.

Quando deparo-me com esta face sinto-me fatigado da vida. Sinto o cansaço dos pés. Ah, o cansaço dos pés! Que teimam em andar para lá e para cá. A cumprir a rotina dos dias. Sinto o cansaço das pernas. Ah, o cansaço das pernas! Que dobram e que esticam loucamente seguindo os pés. Sinto o cansaço das mãos. Ah, o cansaço das mãos! A digitar letras repetidas e "inéditas" num monitor qualquer. A dizer com os dedos os sentimentos mais exigentes que não conseguem permanecer no âmago do ser. Letras que libertam-se pelas veias, quais sangue, derramando-se nas pontas dos dedos ágeis em desnudar um corpo inteiro por detrás. Toda uma vida, qual cascata, jorrando segredos por intermédio de fios longínquos.

Sinto o cansaço de meus próprios dias. Dias de paz e de guerra. Dias de certezas e dúvidas. Dias de amor e de paixões. Ah, as paixões dos dias! As paixões jamais permanecem intatas. Ah, o cansaço de apaixonar todos os dias!

Sinto o cansaço das leituras. Agora sinto o peso do embaralhamento das confissões de tudo aquilo que eu li. Sinto o cansaço machadiano. Sinto o cansaço parnasiano. Ah, o cansaço dos tercetos de Bilac! Aquele querer eterno! Sinto o cansaço do pensador de Dante. Sinto o cansaço do império lusitano de Camões. Sinto o cansaço do cristianismo de Dostoiévski. Ah, o cansaço do cristão Dostoiévski! O único cansaço santo.

Sinto o cansaço de minha terra. Qual Machado, também amo a minha terra, mesmo com suas ruas velhas e estreitas. Sinto o cansaço da Ouvidor, da Sete de Setembro, da Assembléia, da Rio Branco (e o cansaço da Avenida Central), da Gonçalves Dias, da Praça Olavo Bilac, da Avenida Passos, da imensa Presidente Vargas - que inicia-se na carne e finda-se na alma - da Primeiro de Março, da Riachuelo, da Washington Luiz, da Marquês de Pombal, da Moncorvo Filho, da Praça da República, da Presidente Antônio Carlos, da Santa Luzia, sinto todo o cansaço dos milhares e milhões de pés que pisaram a cidade de São Sebastião.

...

Do pó da terra da cidade de São Sebastião foi feito meu corpo. Por isso que quando piso nasta terra meu ser conforta-se ternamente como um peregrino que retorna a casa. E também por isso que quando tenho que deixar esta terra que cedeu seu próprio pó para criar um ser tão desprezível e idiota, todo meu corpo permanece numa nostalgia exacerbada. Saudades... Saudades...

Varginha/MG, 15.10.05

Estou CPM22

Posso estar pecando, mas hoje quem lê melhor meu coração nostálgico é a banda CPM22. Com suas letras românticas embaladas por um rock ingênuo e gostoso, o grupo tem conseguido decifrar os mais intensos sentimentos de meu ser.

Coloquei de lado por alguns momentos o Canon de Pachelbell, e estou ouvindo Um minuto para o fim do mundo. Por que quando estou com você sinto meu mundo acabar, perco o chão sob os meus pés

me falta o ar pra respirar, e só de pensar em te perder por um segundo, eu sei que isso é o fim do mundo.

Sem tua presença realmente é o fim do mundo. O fim do sentido. Não há mais lógica no cosmo. E se a respiração é a maior força para que possamos permenecer vivos, ela também se vai. Que vale as fortunas? Que vale a bela paisagem dos vales mineiros? Que será da bela baía? Que será da Guanabara? Sem você, tudo isso que arromba minha retina não passa de natureza morta em tela de pintor de terceira. É como se o belo fosse submisso a tua existência. É o fim da estética. Que se dane Hegel com seus textos enfadonhos e escravistas! Que Pachelbell fique ali empoeirado na estante.

Deixo a letra da bela música do CPM22 desnudar-me nesse momento:

Me sinto só,

Mas quem aqui nunca se sentiu assim

Procurando um caminho pra seguir,

Uma direção - respostas

Um minuto para o fim do mundo,

Toda sua vida em 60 segundos

Uma volta no ponteiro do relógio pra viver

O tempo corre contra mim, sempre foi assim e sempre vai ser

Vivendo apenas pra vencer a falta que me faz você

De olhos fechados eu tento esconder a dor agora

Por favor entenda, eu preciso ir embora porque

Quando estou com você

Sinto meu mundo acabar,

Perco o chão sob os meus pés

Me falta o ar pra respirar

E só de pensar em te perder por um segundo,

Eu sei que isso é o fim do mundo

Volto o relógio para trás tentando adiar o fim,

tentando esconder o medo de te perder quando me sinto assim

De olhos fechados eu tento enganar meu coração

Fugir pra outro lugar em uma outra direção porque

Quando estou com você

Sinto meu mundo acabar,

Perco o chão sob os meus pés

Me falta o ar pra respirar

E só de pensar em te perder por um segundo,

Eu sei que isso é o fim do mundo

Quando estou com você

Sinto meu mundo acabar,

Perco o chão sob os meus pés

Me falta o ar pra respirar

E só de pensar em te perder por um segundo,

Eu sei que isso é o fim do mundo

Eu sei que isso é o fim do mundo

Varginha/MG, 15.10.05

20:06

Letras vadias

Descobri que quando estou mais triste, mais inspirado para as letras estou. Funciono assim, a tristeza em mim é diretamente proporcional à inspiração literária em mim. E como uma regra matemática meus dedos vão batendo num teclado indiferente aos meus sentimentos. Talvez a indiferença seja necessária, pois ajuda-nos na construção de nós mesmos. E que edificação complexa é esta! A construção de nós mesmos.

Conhecer a si mesmo é pré-requisito básico para todos aqueles que têm por cisma de desnudar-se literariamente. Sim, cisma. Sou cismado com as letras. Somente elas conseguem decifrar-me. Ao mesmo tempo tenho medo de usar uma letra inadequada, pois ela poderia corromper-me. Uma letra errada e o edifício desaba. E desabar-se é complicado, pois a reedifficação de qualquer coisa ou pessoa exige novos valores, novas estéticas, nova arquitetura, novos conceitos, etc. Prefiro o que já está em concreto.

Então procuro um qualquer computador e ponho-me a digitar o que me vem à mente. Difícil saber em que estado estou, pois sempre escrevo com o mesmo sentimento. É como passar a tarde toda a toa e num cd player um coltrane a vadiar pelo Mississipi. Um coltrane qualquer é muita coisa para uma vida qualquer. Apenas espanto-me nesses dias com a falta das letras, com a dificuldade dos sujeitos e predicados que não se adequam, com as poesias tolas e emolduradas em cafés da Dias Ferreira, com o vento que teima em soprar na direção errada pela boca errada. No mais, são apenas passatempos no ínterim entre o estar e o não estar.

Varginha, 16.10.05 (Domingo)

Vale das Cigarras

Sempre houve estrangeirismos em nossa literatura. O português de Portugal, o francês, o inglês, o grego, etc. sempre frequentaram nossas letras, ora enriquecendo, ora empobrecendo nossos textos.

Como também sempre fomos um povo "esponja". Absorvemos facilmente tudo que vem de fora. Pois tudo que é estrangeiro é cult (este cult não é a abreviação de cultura, mas nada mais nada menos que estrangeirismo), interessante, inteligente, esclarecido, etc. E dentro desse pensamento tudo que vem de fora é aceito como bom, não precisa passar por um identificador de idiotices. Sem nenhuma análise aceitamos e engolimos todas as bobeiras que o estrangeiro joga fora. Na

lat(r)ina. O que eles não aprovam como consumo exportam para os tolos latinos. Importamos assim as tolices ignoradas pelas nações abastadas. E por consumirmos drogas permanecemos alienados e atrasados. Por isso que quando ligamos a televisão somos bombardeados com idiotices que somente na América Latina são consideradas conhecimento. E assim vamos levantando bandeiras imundas e lutando em marcha a ré. Pois a América Latina na história sempre caminha para o lado oposto. Fazemos alianças com Hugo Chavez, nosso herói é um tirano cubano, nossos políticos roubam até esvaziar os cofres públicos e depois colocam a culpa no FMI, Banco Mundial, BID, nossos intelectuais viciam nossos estudantes na mesma história contada de marcha a ré, etc. O que será de nosso país? Permanecerá cativando a sujeira?

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Em Varginha também é Brasil. Diz aqui o povo, ser a cidade do ET. O que é o ET? O estrangeirismo exacerbado. Um ser de um outro planeta que resolve visitar uma cidade terráquea. Fizeram inúmeros monumentos para imortalizar esse nobre estrangeiro que alguns matutos viram em 1996. Mas o que realmente podemos ver e ouvir em Varginha não é um ET, mas o voar e o réquiem das cigarras. Sugiro que levantem monumentos que imortalizem as cigarras de Varginha, estas sim, fazem habitação na cidade do ET.

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Sugiro a mudança do nome de Varginha para Vale das Cigarras.

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Coincidentemente as cigarras são consideradas criaturas misteriosas, assim como o ET que aqui apareceu. Tão misteriosa que apareceu uma matéria interessante num site: http://www.ufogenesis.com.br/criaturas/noticias.asp?criaturas=80. Site e matéria interessantes. Seria as cigarras seres trazidos pelo ET de Varginha para recolher informações sobre nosso planeta e nossa gente? Verdade ou mentira, não importa, importa a história.

Varginha, Vale das Cigarras, MG.

16.10.05

A sabedoria das celebridades

Beira a imbecilidade a sabedoria das celebridades tupiniquins. Lendo uma daquelas entrevistas rápidas com uma delas, percebo que há uma regra dominante na mente vazia e tola dos famosos macaquitos.

Uma das perguntas mais frequentes nessas entrevistas é a seguinte: quem você deixaria numa ilha deserta? Pergunta que não requer uma meditação muito profunda para ser elaborada, mas, em se tratando de celebridades tupiniquins, até que é uma pergunta bem elaborada. Entenda-se aqui que deixar alguém em uma ilha deserta não é coisa agradável. Deixar alguém em uma ilha deserta é a mesma coisa que querer que essa pessoa não pertença mais ao convívio das boas pessoas. Dos bons cidadãos. E nesse contexto tenho uma lista enorme. Mas essa celebridade tem uma lista muito pequena.

Entendo que os problemas do mundo para esse cantor de quinta categoria tupiniquin resume-se numa única família. Ele deixaria numa ilha deserta a família Bush. Pasmem! Todos os problemas do mundo resumem-se na aniquilação da família Bush. George, Laura, as gêmeas, etc., todos numa ilha deserta faria com que o mundo fosse um lugar melhor. Deus, livre-nos da presença de abominável família!

Seguindo a lógica do cantor tupiniquin, o terrorismo, as ditaduras, os regimes genocidas, a violência urbana, o tráfico, os sequestros, os estupros, os pedófilos, os Lulas, os Chavez, os Fidel, os mentirosos de Hollywood, os mentirosos jornalistas, os bandidos, os referendos, os políticos, os corruptos, etc. tudo isso é tolerável, mas a família Bush não. O regime genocida de Saddam é tolerável. A ditadura genocida do Sudão é tolerável. O tráfico na América Latina é tolerável. O paredão de Fidel é tolerável. As mentiras de Michael Moore é tolerável. As ditaduras na Coréia do Norte e o socialismo maluco fantasiado de neoliberalismo do lulismo são toleráveis. As insanidades chavistas são resistências aos malvados Yankees. Tudo isso pode ser aceito numa sociedade de pessoas decentes e justas, mas a família Bush não.

As entrevistas com as celebridades tupiniquins são indecentes e bestializantes. E se elas são as melhores referências para os atordoados brasileiros, eis a formação da bossalidade nacional. Bem, também sou um atordoado e idiota tupiniquin. E se me entrevistassem da mesma forma, para a pergunta: quem você deixaria numa ilha deserta? responderia de imediato: - deixaria as celebridades tupiniquins!

Varginha/MG, 19.10.05

Silvajunior

Rodiney da Silva
Enviado por Rodiney da Silva em 19/11/2006
Código do texto: T295199
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