MULHER NEGRA

Ela estava sentada dentro de um desses carros que fazem lotada, as portas estavam abertas e ela com seus quase cem quilos, uma muleta, pediu-me ajuda para sair do carro, sua perna esquerda não tinha autonomia para se deslocar sozinha, ajudei-a e ao vê-la de pé pude perceber o tamanho do esforço que aquela mulher estava fazendo, após algumas perguntas ela me respondeu: que morava sozinha, que estava indo ao Mercadão para comprar material para confeccionar flores para o dia das mães, me ofereci para ajudá-la a atravessar as duas ruas enormes que tem em frente ao Mercadão de Madureira, esperamos o sinal abrir para os pedestres.

Lá fomos nós, passos lentos, muito lentos! no meio da caminhada o sinal abriu para os caros , fiz sinal para que esperassem, ela não tinha a menor condição de correr, os carros esperaram, e ao chegar do outro lado da rua, olhei aquele rosto valente, alegre, e me senti muito feliz.

Ela me olhou nos olhos e falou um obrigada de verdade, me ofereceu um beijo no meu coração, eu a beijei no rosto, ela disse que eu era linda! Me senti verdadeiramente linda naquele momento, não por uma beleza estética, mas por uma beleza de AMOR, eu amei aquela mulher negra, gorda, solitária, que deve ter tido um derrame, estava com parte do seu corpo paralisado, morava sozinha. Pensei a quanto tempo essa mulher não é abraçada ou recebe um beijo no rosto? Mesmo assim ela tem uma FORÇA de leoa, sai de casa, compra coisas, confecciona flores e vende para melhorar seu sustento.

Meu Deus como sou feliz! Como tenho tudo que preciso, não posso jamais me queixar de nada, ao ver essa minha irmã que sentiu e senti na pele o preconceito de ser pobre, negra e sozinha e mesmo assim ela é uma mulher agradável, feliz e FORTE, muito FORTE.

Me fez recordar uma outra mulher incrível que conheci há muitos anos, ela estava sozinha na vida, internada em um hospital público, com uma doença que não sabia explicar, ela simplesmente foi perdendo aos poucos, todos os movimentos do seu corpo, e quando a conheci ela não mexia nem a cabeça, mas ela era a mulher mais alegre daquela enfermaria, me pediu que penteasse seus cabelos e passasse um batom em seus lábios, que apesar de totalmente paralisada naquele corpo prisão, ela era uma mulher vaidosa, alegre, depois daquele dia minha visão sobre a vida mudou muito, e passei a valorizar todas as coisas que antes eu achava normal e não dava o menor valor, como: andar, respirar, ver, sentir sensações, amar muito, tudo e todos.

Sei que sou uma mulher forte e valente, mas diante dessas duas mulheres, não sou nada, porque uma dorzinha de barriga ou de cabeça me deixam de cama como uma criança mimada, não tolero sentir dores, mas elas não, superam suas doenças gravíssimas, e dão uma lição de vida, seguindo em frente, com suas limitações, aceitando ajuda e oferendo alegria.

Acho que aprendi a lição que a vida nos ensina, mostrando essas mulheres maravilhosas, por pior que estejamos, sempre há algo bom que ainda podemos oferecer, nem que seja um sorriso ou um verdadeiro agradecimento.