049 - ALMA CARIDOSA

Regressando de uma pescaria lá do rio Jaúru no estado do Mato Grosso, chegamos à cidade Paranaíba, e fomos até o porto denominado Alencastro onde uma barca transportava os veículos na travessia do rio para a região do Triângulo Mineiro.

Já em terras mineiras, estrada de terra, coberta de poeira vermelha e muito mal conservada, íamos na direção da cidade de Alexandrita, quando um dos pneus da caminhonete furou.

– Caralho, agora fudeu! Meu pai, homem de pouca paciência, mas fazer o que, estas coisas acontecem! Seguramente sobre a estrada havia mais de um palmo de um pó finíssimo, avermelhado, grudento, quando terminamos de trocar o dito pneu estávamos completamente desfigurados tamanha a quantidade daquele pó que em nós se impregnou.

Paramos em um pequeno vilarejo para reparar o pneu furado, perguntamos por comida, e nos informaram que havia um boteco que servia, ficamos acomodados do lado de fora dado a nossa sujeira e logo nos fartamos, gosto muito de vinho tinto suave, perguntei, foi servido um garrafão vindo do sul, por sinal muito delicioso. Exagerei no tomar daquele vinho, calor intenso, meio zonzo saí para dar uma voltinha na procura de um alívio, um desafogo, foi quando encontrei uma pequena igreja e sob a sua sombra lateral fiquei sentado pensando na nossa fracassada pescaria, choveu lá por Goiás, nas cabeceiras, num sem esperar o rio transbordou e a nossa pescaria resumiu em um enorme fiasco.

Saindo da Igreja, uma senhora muito bem trajada, com um véu negro sobre os ombros, me olhando de lado e no arreparo de tanta sujeira, um mendigo imaginou, tirando uns trocados da carteira:

- Filho! Toma esta esmola é pra comprar alguma coisa pra comer! Você deveria ser mais asseado, tomar banho de vez em quando não faz mal a ninguém, você até que não é tão feio, se cuidasse melhor até uma namorada arranjaria!

Agradeci sem levantar os olhos para não denunciar o meu espanto e a minha surpresa, e ela seguiu seu caminho... Alma caridosa. No seguir passando um homem que usava duas muletas, uma das pernas amputadas, maltrapilho, o alcancei e dei toda aquela esmola imerecida, a ele tudo expliquei e ele seguiu o seu caminho se arrastando, das suas mãos tão necessitadas gestos de agradecimentos.

Ao entrar na caminhonete para partir, fui fortemente agarrado pelo braço por uma pessoa desesperada:

- Devolva meu dinheiro... Devolva meu dinheiro...

Assustado desci da caminhonete, reconheci de pronto aquela senhora, a da alma caridosa, aquela que me dera uma esmola e que agora ao me ver dentro de uma caminhonete cabine dupla novinha se arrependera e queria porque queria seu dinheiro de volta!

– A esmola eu não posso mais devolver!

– Como que não pode devolver? Você ao que parece deve ser um fazendeirão, esmola a gente dá é para os necessitados!

-Eu não posso devolver...

Não conseguia explicar, ela não me dava tempo, e mais pessoas foram aglomerando, todos concordavam que eu tinha que devolver a esmola, mais gente chegando, mais alto ela falava num repente uma voz a tudo serenou:

- Em nome de Deus o que esta acontecendo? Era o vigário da paróquia.

– Santo Padre, ouça e me darás a razão, este homem, todo sujo, estava lá perto da Igreja, e eu lhe dei uma esmola, agora eu o vi entrando nesta caminhonetona novinha, deve ser um fazendeirão mão de vaca, pegou meu dinheiro e não quer devolver!

O Padre tinha umas gordas bochechas, um barrigão saliente, boa praça, sorrindo disse:

- Moço! Devolva a esmola, não é digno o seu comportamento!

– Mas eu não posso mais devolver o dinheiro...

Não conseguia explicar, ela agora aos gritos fortalecida pela presença do padre, queria porque queria a esmola de volta, minha situação estava se complicando a cada minuto quando do meio de toda aquela gentalha, um homem com dificuldades, sempre pedindo licença se aproximou e estendeu a mão:

- Minha Senhora! Aqui está o seu dinheiro, confira...

– Como?

Enfim pude explicar:

- Minha Senhora! Eu compreendi a boa intenção da sua alma caridosa, ao ver este senhor passando na certa mais necessitado que eu, a ele eu dei o dinheiro para que comprasse alimentos conforme o seu desejo!

Ela passando as duas mãos na cabeça em grande desapontamento, não sabendo onde se esconder de tanta vergonha:

– Que me perdoa o Senhor Deus pelo mau juízo que fiz de você. Dirigindo ao aleijado pediu também desculpas e terminantemente se recusou a receber o dinheiro de volta.

– Agora que tudo esta explicado, alguém pode me arrumar um café bem quente, bem forte, bem doce, para espantar o sono, tenho que seguir a minha viagem.

– Moro aqui ao lado, vem tomar café comigo, venha senhor Padre. Convidou também o aleijado.

– Minha Senhora estou todo empoeirado!

Abraçando-me se misturou nas minhas poeiras:

- Esquece essa sujeira, esquece essa sujeira...

No abraço me conduziu para dentro da sua casa...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 02/05/2011
Reeditado em 28/12/2011
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