AVENTURAS DO EURICO
AVENTURAS DO EURICO
Eurico, se não levava a vida que pedira a Deus, também não podia reclamar da mesma. A família já estava criada e, dos cinco filhos, três já estavam casados. A casa boa, com energia elétrica, geladeira, televisão e outros eletrodomésticos. Os trinta alqueires de terras e as vacas leiteiras davam-lhe um rendimento satisfatório.
Eurico já se considerava um mato-grossense, pois há quarenta e cinco anos morava na zona rural de Dourados, Mato Grosso do Sul.
Desde que saíra daquela cidadezinha do interior de Minas, seu sonho era rever a velha terra. Na sua lembrança eram nítidos os acontecimentos da infância: a Igreja Matriz de Santo Antônio, cuja construção ajudara, pois, após as aulas nas Escolas Reunidas Cônego Francisco Lopes, junto com os colegas, quebrava pedras para essa grande obra; as duas bandas de música que abrilhantavam as festas religiosas e cívicas da pequena cidade; o campo de futebol da Praia, onde aos domingos ia assistir aos jogos da U.S.E., seu time do coração; o velho coreto no Largo da Matriz, onde brincava de pique na hora do recreio e várias outras lembranças que, de vez em quando, o possuía.
Um certo dia, não mais suportando a saudade, disse para a família: - Amanhã, irei rever a minha terra. Sei que muita coisa deve ter mudado por lá, pois, se mudaram até o nome do velho Calambau para Presidente Bernardes é porque o município deve ter progredido muito. A sua mulher lhe disse: - É bom você ir mesmo pois terá que pagar aquela promessa que fez a Santo Antônio de...., como é que se diz agora, de Calambau ou de Presidente Bernardes?- Onde é que já se viu mulher, Santo Antônio de Presidente Bernardes? É ruim! eu digo Santo Antônio de Calambau. Se até o Padre Grossi foi contra a mudança do nome, imagina o Santo Antônio que está lá no altar há trezentos anos com o nome de Santo Antônio de Calambau...
No dia seguinte, Eurico iniciou a viagem. Comprou a passagem de ônibus para São Paulo e pé na estrada. Cerca de quinze horas depois, o ônibus chegou à rodoviária de São Paulo. Eurico não precisou procurar muito para avistar um guichê com grandes letras luminosas onde estava escrito: “Presidente Bernardes”. Comprou sua passagem já com uma pontinha de orgulho, pois em São Paulo já sabiam da existência de sua terra.
Daí a poucos minutos já estava o Eurico em um luxuoso ônibus e pensando: “ quem diria que um dia eu poderia voltar para a minha terra num ônibus deste! E que estrada maravilhosa, com poucas curvas e bom acostamento. Na Praça Cônego Lopes deve existir um Shopping Center. O município deve estar exportando aquela pinga boa que sempre produziu. Como o pessoal lá sempre gostou de teatro, deve existir também um espaço cultural para as suas apresentações”. Estava o Eurico nessa meditação quando, vencido pelo cansaço, acabou adormecendo. Quando acordou, depois de seis horas de viagem , ficou muito alegre com a placa que avistou: ”Presidente Bernardes a 05 km ”.
Não pode ser verdade, pensou ele. Viva o Progresso!
Dali a poucos minutos estava chegando em sua querida terra. Continuava não acreditando no que via: fábricas, grandes avenidas, várias agências bancárias, ruas movimentadas, grandes casas comerciais. Enquanto o ônibus se dirigia à Rodoviária, Eurico não se conteve e gritou: “Viva Presidente Bernardes!” O ônibus estacionou e os passageiros desceram. O nosso Eurico pegou a sua mala, andou alguns passos e pensou:-“ será que ainda existe a pensão da Sá Sila? Não deve mais existir “, concluiu...
“E eu perdido na minha própria terra...Mas, cinquenta anos são cinquenta anos e a minha cidade tinha mesmo que evoluir...” Andou o Eurico mais um pouco, atravessou uma rua e parou em frente a uma farmácia. Lugar melhor para uma informação do que uma farmácia não existe, pensou ele.
Dirigiu-se ao balconista e perguntou: - Moço, por favor, preciso de uma informação: Há cinquenta anos eu saí daqui e esta cidade cresceu muito. Não estou conseguindo encontrar ninguém que eu conheço.Tenho uns parentes que moram na zona rural dos Guirras e queria saber como faço para chegar lá. -Não conheço nenhuma zona rural por aqui com esse nome, respondeu o balconista. - E Bico de Pato, o senhor conhece? -Também não, repetiu o balconista. - É, tá danado! Faz tempo que não venho aqui em Minas e pelo jeito, eles mudaram os nomes de todos os lugares ...
- Que Minas, meu senhor! Estamos no estado de São Paulo!
- Mas, aqui não é Presidente Bernardes? indagou o Eurico.
-É, mas o estado é de São Paulo, afirmou o rapaz da farmácia.
O balconista não sabe até hoje o que deu na cabeça daquele homem, que jogou a mala
para cima e gritou: - “ Morra Presidente Bernardes! ”
********************