QUEM É ESSE NA FOTO? (EC)
- Cuidado! Não coloque os dedos nelas para não engordurar mais. Estão quase desmanchando.
- Quem era este aqui, vó Hilda?
- Seu tataravô materno. Meu avô paterno
- Está amarelada. Não existia máquina digital naquele tempo?
- Claro que não!
- Então digitalizaram...
- Isso mesmo.. É assim que falam quando colocam fotos antigas no computador?
- Será que a máquina era daquelas que o flash explodia no rosto das pessoas?
- Não são tão velhas assim, mas fotos iguais a essa só eram tiradas no fotógrafo. Tinha que marcar hora.
- Oh! vó... Inventa outra...
- Verdade.
- Porque tão poucas fotos?
- Porque eram caras. Não eram como hoje em dia que se a foto não sai boa é só apagá-la da câmera. Nos filmes cabiam no máximo 36 poses.
- Pose? Era preciso posar para a foto? Dizer xis?
- Não se tirava foto de qualquer coisa, nem de qualquer jeito. As pessoas tinham que se concentrar para saírem bonitas na foto. Eram avisadas que a máquina ia disparar. Um fotógrafo teve a idéia de colocar uma gaiola atrás da câmera e gritava “olhem o passarinho!” quando ia disparar a foto para que as pessoas olhassem para a câmera.
- Ah! Seria bom se tivéssemos mais fotos, não é?
- Era desnecessário. As fotos eram quase todas iguais. A diferença é que as pessoas ficavam um pouco mais velhas, as crianças crescendo. Raramente se alterava, aparecia alguém novo na família.
- Namorado?
- Que é isso, menino? Só entrava nas fotos de família quando casava. E bem casadinho. Não era assim como hoje que em cada foto sua irmã aparece com um namorado novo.
- A senhora já deu cada bola fora, hein! Lembra quando cumprimentou um dizendo o nome de outro.
- Nem me lembre. Hoje só dou um aceno. Mas, como eu vou decorar tantos nomes. Cada hora ela está com um namorado diferente. Deve ter um arquivo de fotos para cada um no computador
- Que nada, vó! Têm namorados que ela nem passa para o computador... E se passou, ela deleta.
- Ah! Ah! Ah! Essa juventude de hoje.
- Poxa, vó! Estou pensando numa coisa. Deve se desagradável se em cada foto a mãe aparece com um pai diferente.
- Nem me fale. E há tantas famílias com meio-irmãos hoje em dia.
- Por isso que os pais apareciam tão pouco nas fotos antigamente?
- Claro que não, seu bobo! É que antes do disparador automático, alguém tinha que ser o fotógrafo e essa incumbência era dos homens que sabiam mexer melhor nas máquinas. E geralmente era o pai.
- Achei uma com o “bisavô”.
- Isso mesmo. Essa ao lado dele, pequeninha, sou eu.
- Quem tirou a foto?
- Um vizinho, amigo da família.
- Como era o nome dele?
- A gente chamava de Zé Alemão.
- Era mais um José de nome complicado?
- Quase isso. Era Adolph, Wolfgang ou algo parecido. Acho que era fugitivo da segunda guerra.
- Ele sabia tirar bem as fotos. As pessoas estão bem centradas. Nenhum pé cortado.
- Era alemão. Bons de fotos. Desenvolveram a Rolleiflex.
- Que é isso?
- Uma das mais famosas máquinas fotográficas do século passado.
- Devia ser bem amigo, para o “bisa” deixá-lo pegar sua máquina. Ele ainda está vivo?
- Não sei. Ele se mudou do bairro quando eu era pequenina. Atenda ao telefone, por favor.
- É para a senhora.
- Quem é?
- Deve ser cobrança. Estão procurando Dona Hildegard Tavares da Silva Dantas.
- Já estou indo... O que será para me chamarem pelo nome completo?
- Posso ir olhando as fotos enquanto isso?
- Pode, mas cuidado... E sem muitas perguntas.
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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Álbum de Fotografias
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