O QUADRO E A PRINCESA

- As Cartas não mentem jamais. - Mentiram. Disseram-me que meu lindo príncipe viria, montado num cavalo branco e me amaria. Disseram que ele viria porque eu era uma princesa e há sempre um príncipe chegando para cada princesa que espera.

Digníssimos cavalheiros por mim desfilaram com cavalos de todas as cores e admirei suas cavalgadas, mas não era, nenhum deles, o príncipe. Acenei-lhes de longe e desejei-lhes boa viagem. Que lhe dessem notícias minhas, quando o vissem. Decerto só não cavalgaram nas mesmas estradas, pensava.

Valentes guerreiros, decentes ferreiros, pescadores, aldeões, tantos sapos beijados! E nenhum traço de realeza.

Mas nunca ousei praguejar contra a Cartomante. Ela prometera e eu esperava. No quadro pintado que emoldurava seu semblante altivo, ao pé do meu berço, no momento solene da predestinação, me lembrava sempre que eu confiasse.

Até que um dia, certa luz de triste poente revelou-me no rosto da Cartomante um riso de ironia. E tudo se fez claro. E tudo se fez dor. Mentiram-me as Cartas. Mentiu-me a Cartomante. Cínica! Tivesse o sol nascente, ou qualquer outra curva de sol, adentrado a janela, a tempo! E se tivesse lhe perguntado, pois que espelhos e pinturas respondem às princesas, teria me dito: - Tola! Não vês que cumpro a sina da enganosa Esperança? Tu és a princesa e, portanto, príncipe será, por consorte, qualquer um que aceite o título. – E assim, na solidão das coisas possíveis ruíram castelos e sonhos. Só restaram duas velhas paredes: uma a eternizar o riso da Cartomante, e a da janela, por onde vislumbro o Tempo.

Para a rodada de crônicas do

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