O CRIME (DES)ORGANIZADO
Nada naquele amanhecer anunciava que seria um dia diferente de qualquer outro na vida de João Ricardo, que, como quase sempre, não ouvira o despertar do relógio e estava novamente atrasado. “Culpa da internet, se não tivesse me distraído até tão tarde”, pensou ele, sabendo que o patrão estava já sem paciência com seus constantes atrasos.
Tomou um banho apressado, bebeu um café mais apressado ainda, pegou a chave do carro e partiu, já pensando na desculpa que teria que encontrar para escapar de nova bronca, talvez até de uma demissão.
No primeiro sinal fechado, tomou tremendo susto quando sentiu algo duro e gelado encostado em sua cabeça: – Perdeu, otário! Continue olhando pra frente e passe a grana.
Com o canto do olho, João Ricardo percebeu, por trás do revólver, agora quase entrando em seu ouvido, o agitado ladrão. Trêmulo, pegou a carteira e passou todo o dinheiro para o bandido, exatos R$ 12,25.
– Ô, meu! Tá tirando onda com a gente? Só isso?! – reclamou o assaltante.
Apavorado, João Ricardo cumpriu a ordem de pular para o banco de trás. Só então notou a presença de um segundo indivíduo, que agora se acomodava ao seu lado, com a arma discretamente apontada para ele.
Os bandidos assumiram a direção do veículo, enquanto João Ricardo, num flash de humor negro, pensou com seus botões:
“O lado bom é que agora tenho uma boa desculpa para dar ao meu chefe: roubado e seqüestrado!”.
Mal os bandidos puseram o carro em movimento, foram fechados por outro veículo de onde desceram três elementos fortemente armados que anunciaram:
– Perderam, otários. É um assalto!
O chefe do primeiro bando, inconformado com a situação humilhante de estar sendo ameaçado na frente de sua vítima, respondeu irritado:
– Vocês chegaram tarde, já estamos fazendo o serviço neste Mané aqui atrás.
– Ops, desculpem! – disse o líder do segundo grupo, fingindo constrangimento. – Então, nesse caso, vocês já sabem qualé o esquema: saiam do carro, passem a grana, as armas e fiquem quietos! – completou com um sorriso debochado nos lábios.
Os três, então, – os antigos assaltantes, agora vítimas, e a ex-vítima, agora colega de infortúnio – enquanto olhavam os dois carros se afastarem, com seus felizes ocupantes acenando, conversavam entre si:
– Droga! Perdi uma boa desculpa. Nem meu chefe irá acreditar – disse João Ricardo. E, voltando-se para os bandidos/vítimas, acrescentou apenas por pequena vingança verbal: - Seus otários! O que vão fazer agora?
Cabisbaixos, sentindo-se desmoralizados diante de sua ex-vítima-agora-colega-de-infortúnio, responderam quase em uma só voz, já deixando o local:
– Vamos nos queixar ao Sindicato!
ooOoo