O Amor Não é Exato

(Para Paty Novais, roteirista e as duas outras mãos na obra).

“Ou o amor é eterno ou não era amor! - Manuel Bandeira”

No início ela estava com receio de encará-lo. Mantinha uma conveniente distância defensiva, mas agora tudo que ela quer é ficar próxima a ele. O que antes era longe agora é do lado, ombro a ombro, num suave roçar. Tirar um cisco, uma poeira, um pelinho solto ou qualquer coisa, mesmo imaginária, que justifique um tocar no outro. Se olham em silêncio. Tanto o que dizer, sem saber como dizer.

Lembram-se de suas conversas pela internet; horas de bate-papos em salas digitais. Mas, e agora? Como trazer o virtual para o real? Ela se perde, ele ri. Ele balançando as pernas no ar, ela fazendo carinha de sapeca – carinha de quem tem medo de ter seus pensamentos descobertos. Ele também não sabe como agir, também tem medo. Está confuso e não compreende bem o que está fazendo ali. Contudo, entre eles, já existe um gérmen de afeto que prende um ao outro.

Ela disfarça, porém continua a olhá-lo: boca, olhos, queixo, braços, tórax, pernas, mãos e tudo o mais que sua visão consegue bulir, e mesmo o que não pode ser visto é por ela adivinhado; não quer perder nem um detalhe. Não era o galã que ela queria, mas, mesmo assim, a cativa. Ele, fingindo não perceber nada, procurando não se incomodar com o exame do qual era o objeto, fazia o mesmo com ela.

Chopin, Villa-Lobos, um carinho, um chá, um tudo e, ao mesmo tempo, um nada. Vários sentimentos embaralhados. Entre eles, um mais forte, o medo de começar o que não poderia ser terminado.

Ele simula querer ir, mas permanece. Ele finge não ligar, mas seus próprios olhos a condenam. Um suspiro mais fundo e um tímido “gosto de você”. Ele ensina, e ela gosta de aprender. Duas crianças crescidas brincando de amar. Dois seres tateando um campo que não conhecem bem. Ela quer entregar-se, e tem medo. Ele está machucado e sua dor atinge os dois. Ela quer deitar em seu colo e por ali mesmo ficar. Ele não quer perdê-la, e ela não quer se perder. Ele não se abre, ela se cala. O silêncio chega, o vazio os envolve e o medo os separa: “Até logo. Nos falamos depois”.

De novo a distância, o virtual e o bate-papo. Mas, agora, existem as lembranças, os comentários e a saudade alimentando a coragem. Sentem-se ausentes e, por isso, inventam motivos pra novos encontros: ir a uma feira de livros, tomar um chá, conhecer a casa dela e visitar o cantinho dele. E o interesse crescendo sem parar; o prazer cada vez maior de estarem juntos e de se tocarem.

Ela está longe de ser o tipo que ele imaginava. Desejava alguém delicado, dependente e sensual; e ela, meio ríspida, daquelas que perseguem uma barata até matar, troca lâmpada, desentope canos, faz faculdade de ciência e até joga futebol. Mulher do tipo independente. Ainda assim, ela o atrai.

No cantinho dele, ela ouve November Rain e Lago dos Cisnes tocados no piano especialmente para ela. Se desarma, senta-se no chão e brinca com os livros que estão espalhados por ali. Fala sobre aquilo que considera suas esquisitices: que adora caminhões, sonha em viajar de carona, gosta de ler placas de carro e costuma falar sozinha. Ele, agora sentado a seu lado, se diverte.

Novamente o silêncio chega e traz com ele o vazio. Só que, hoje, o vazio é um amigo bem vindo e o silêncio, um cúmplice esperado. Desta vez, mesmo com o medo da dor, sabem como recebê-los. Se tocam, se acariciam, se provam, se bebem e se comem. Por momentos se tornam um só. Por momentos se permitem viver parte do sonho que idealizaram.

Mas chega a hora da partida e, do sonho, eles voltam ao real. Separam-se e, agora, se escondem atrás da distância.

Durante algum tempo, no mundo virtual, ainda se falam. No entanto o medo os afasta cada vez mais. E chega o dia em que a conexão se faz perdida, e com ela o contato se esvai.

E, do sonho imaginado, o que resta são as dores, o silêncio, o vazio e muitas perguntas: O que aconteceu? Por que acabou? O que vou fazer agora? Será que foi a projeção das nossas carências? Ou foi só da minha? Será que somente eu me apaixonei? Será que fiz algo errado? Será que a vida vai nos separar definitivamente? Ou teremos nova chance?

Dentro do coração de cada um deles vive a esperança de que um dia o tempo, senhor de todos os sentimentos, traga as respostas.

Hoje, o que ambos sabem com certeza é que precisam recomeçar. Suas vidas têm que seguir em frente.

Além do mais, será que o final da história já está escrito? Pode ser que não. Parece que o melhor é esperar. Só mesmo o tempo pode trazer a resposta.

ooOoo

Sykranno
Enviado por Sykranno em 23/01/2011
Código do texto: T2746859
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.