MARCAS DE AMOR

Alheio ao contínuo passar das horas, no interior de um residencial, numa noite fria e sombria, distante de sua cidade, ansiosamente tentava traduzir em palavras, expressões e gestos o seu sentimento, a sua dor e dependência daquele pobre amor.

Nas ruas tudo parecia-lhe muito triste, o caminhar das pessoas que vez por outra por ali passavam, a penumbra das esparsas luzes da rua, o estridular dos grilos, o coaxar das rãs e o canto das aves noturnas, tudo projetava o seu estado de tristeza e infelicidade.

Num gesto involuntário olhou para o relógio e se deu conta de que já era muito tarde. Nas ruas as lojas, bares, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais já estavam fechados. Copos descartáveis e papeis, varridos por uma forte ventania, formavam redemoinho, tornando aquela paisagem desolada ainda mais triste.

Naquele instante de solidão e vulnerabilidade, lá longe, distante, um farol, um automóvel se aproximava, parecia flutuar no asfalto. Como uma ação milagrosa o tal automóvel tratava-se desses carros que se pode alugar ou fretar. Levantou o braço em sinal para que o carro parasse, cumprimentou o motorista, informou o destino, entrou no carro e seguiu viagem sem pronunciar uma palavra sequer.

A viagem era longa, cansativa e de muitas horas. Um vento frio soprava através da janela do carro, desalinhando os cabelos. Sem poder disfarçar, lágrimas incontroláveis denunciavam sua angustia e dor, lágrimas de um triste e profundo sentimento de perda e abandono.

No rádio do carro uma canção de amor, cuja letra como flechas pontiagudas adentrava e dilacerava ainda mais o coração, sufocando e deprimindo-lhe a alma. E na tentativa de aplacar um pouco aquela dor, bem como o vazio da solidão, fez um breve comentário sobre a letra daquela canção ao motorista, dizendo-lhe: Coisa dura e triste é a perda de um grande amor, a sensação de abandono e ingratidão.

E atento aos perigos daquela auto-estrada, na escuridão daquela noite iluminada apenas pelos faróis dos outros carros que por ali trafegavam, o motorista balançava a cabeça em sinal de concordância. No entanto aquela voz entrecortada por fortes emoções despertou-lhe ainda mais a atenção comovendo-lhe.

E num gesto humano de amizade e companheirismo, de quem entende e sente a dor do outro, começou a falar da sua experiência de vida, contando-lhe à própria história

declarando que um dia também havia sentido e provado a paz, a alegria e o estado de graça, fruto de um sentimento maravilhoso chamado amor.

Mas, um dia também, um triste, fatídico e inesquecível dia, provou do cálice da dor da traição, da covardia, do abandono, da ingratidão, ao tomar conhecimento que a sua amada, o grande amor da sua vida, como uma vadia, uma aventureira, sem ter nem pra que fugiu, fugiu com um desconhecido para terras distantes.

Nesse momento tirou uma das mãos do volante para pegar um cd que encontrava-se no tabelier, e uma triste canção do Roberto Carlos, Pássaro Ferido, se fez ouvir: “Hoje distante de tudo e de quem tanto amo, de quem me amou por uns tempos depois me esqueceu”. Naquele momento era impossível saber qual dos dois transpareciam no olhar com maior intensidade a tristeza, angustia e dor, provocados pela desilusão e perda de um grande amor.

No velocímetro a velocidade marcava já 150 km por hora. O possante motor 2.0 só faltava voar naquela escura e deserta estrada. Lá no alto da serra o farol dos carros que desciam confundia-se com um avião. O silêncio tornava-os melancólicos e introspectivos. Cada um com sua dor e recordação. Um clarão à distância indicava a aproximação de uma pequena cidade. Chegando à área urbana, pararam numa pequena e modesta lanchonete para tomar um cafezinho e refazerem os ânimos.

De volta ao carro uma forte tempestade começava a cair, o limpador de pára-brisa afastava a água, a visão estava turva, agora a estrada bem mais perigosa. No acostamento um homem ao lado de um carro fazia sinal com as duas mãos levantadas pedindo ajuda, o temporal cada vez mais intenso dificultava a visibilidade.

O único som que se ouvia agora era o do motor do carro, monotonamente trabalhando, e o barulho da forte chuva no pára-brisa como uma funesta canção de ninar. Algumas horas depois o condutor do automóvel tocava-lhe- o ombro acordando-o dizendo que a viagem havia terminado, que já estavam na sua cidade.

Ainda um pouco desorientado pelo sono, abriu a carteira, tirou o dinheiro, pagou, despediu-se, abriu a porta do carro, saiu atravessou a rua. Ao se virar para acenar, ouviu mais uma vez tocando no carro a triste canção : “ Hoje distante de tudo de quem tanto amo, de quem me amou por uns tempos, depois me esqueceu...”

Percílio de Aquino
Enviado por Percílio de Aquino em 02/01/2011
Reeditado em 31/01/2017
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