FILOSOFAÇÕES DE UM 'PARAÍBA'

(À amiga poetisa e advogada Ângela Rolim)

Sem floreio nem rodeio, seguem infra alguns pareceres – verdade que todos meio esdrúxulos – da língua sem peias de Seu Joãozinho Bilé, paraibano de Catolé do Rocha, de quem só tive o prazer de lhe apertar a mão, por duas magras vezes.

Mas, já nos anos do depois, um palpite vem-me de Seu Manuel Pretinho, morador aqui do bairro, e também catoleense: “ah, o homem Joãozinho Bilé era um cabra verdadeiramente da peste. Falava desabotoado, que nem o gavião faz o voo.” Então, pelos ditos e ouvido de Seu Pretinho, aqui vai tudo em fraseado fiel, estilo de livre-pensador.

Tais ilações, em geral à queima-roupa, giram em torno de homens dos “poderes constituídos”, os políticos, numa palavra. Puras pitadas de filosofações que, se não são falas científicas nem loroteadas no roçado dos livros, objetivam somente descascar a cútis de venerandos travestidos de rei, sejam eles neo-serviçais, neonazistas ou neoliberais. Mas vamos logo ao nobre Pascal, aliás, um ‘Paraíba’ conterrâneo do Chico César, do Augusto dos Anjos e da poetisa Ângela Rolim.

1- Queria que um filho de uma égua viesse campear meu voto, com nota de dinheiro na mão, só para eu virar oposicionista de carteirinha e tascar nele um baita do contra bem na tabuleta do nariz. Vendo voto não.

2- Cacique político, nem que fosse o capitão Antônio Silvino, ou o Lampião, em carne e osso, querendo encabrestar minhas opiniões? Eu pago a ele é em dia todas as astúcias e maquinações. Depois é que – pelas mordomias – vem o grito do avesso, o dia do troco. Sai de mim, jacaré!

3- Em Catolé do Rocha, meu senhor, governo que mais fez pelo povo foi o que vestiu paletó de madeira e se foi para o céu das formigas, comendo capim pela raiz. E isto mesmo três dias antes de tomar assento no cargo da intendência.

4- Quando eu nasci, prefeito era intendente. A safadagem na prefeitura era encoberta. Hoje, meu senhor, o povo é que jamais “entende” o que diabo faz essa gente da política, para ganhar um mundéu de dinheiro, e sempre coçando as partes baixas do corpo.

5- A coisa mais científica que posso lhe afirmar na rosca da cara, seu compadre, é que a política dos “coronéis do mato”, lá em nós, é a arte de engabelar o cão. Eles passam a perna até nos santos padroeiros.

6- Votar é ligeirinho, a gente vai lá e vota. Mas é bom quando o senhor vai variando as pedras do jaburu, até o bicho sair de outro modo e botar cara nova. Por exemplo, o burro pode até vir de novo com fuças de macaco.

7- Político falastrão, cheio de muito francês na linguagem, ah, nem discuta comigo: eu sou é do contra. Passo fogo no cartaz dele e mando o filho de uma égua ir olhar se eu estou ali na esquina.

8- Na casa dos meus cinquenta, hoje em dia, ai, meu Padim Ciço, já fiquei foi velho demais para ouvir potocas e dar ouvidos às petas safadas de governantes safados. Por isso que, lá na minha terra, sempre meto meu rebenque no lombo de gente metida, empacotada de paletó e gravata. Cubro corpo é com brim, a mescla, cáqui e morim. Chita só pra minha Zefa, coitada!

9- Quando fico ruim dos cascos, enteso, meto o pé na tapioca dos corruptos. Mas minha simpatia é por descascar o couro das amizades do rei. E então? Sei lá quem diacho é o rei!

10- De um edil até presidente, sendo dessa laia que anda viçando por aí, de rabo sentado no avião, prefiro valorizar o voto no meu gato. E escolho quem ainda não me engabelou. Isto, ‘nhor sim, é renovação. E viva a tal democracia, seu compadre!

11- O votinho, aqui, deste seu freguês, sai é muito caro, por cabeça. Vendo não. E, sendo assim, o meu é custoso, mas totalmente de graça.

12- Gosto de quem mete o bedelho e se compromete com as necessidades da região. João Pessoa foi macho que só preá, pois gritou pela nossa Paraíba. E político paraquedista, pelo meu gosto, não voa no meu céu de brigadeiro, não.

13- Coisa mais cacete é vosmecê ter que aturar um período de convocação extra, nas ditas casas do povo. É aí que o Parlamento enche a tripa. Não se sabe nunca se os senhores deputados vão iniciar ou prosseguir no pregão das verbas extraordinárias, o que sempre dá na mesma comilança do dinheiro público. Eles cozinham o pato para ir votar bobagens em períodos extras. Está direito?

14- Ah, eu vou estar sempre votando, enquanto a espinha do lombo me tolerar em pé. Somente para, depois da eleição, indo ao espelho, poder me olhar de frente, com a cara da Oposição no rabo do olho.

15- Mandachuvas, lá do meu sertão de Catolé, e também os mandarins do Brasil, de cabo a rabo, é que enrabam todas as nossas verbas da Educação e da Saúde, e do mais das precisões do zé-povinho. Mas, porém, de mão na massa, eu me vingo, seu compadre. Soube até que, aqui, no Ceará, o povo rifou na beira da urna um coronelzinho eletrônico, nestas últimas eleições. Que bom, para ele tomar tento! De espora e cipó de boi na mão, nos pais da pátria eu me monto, deito e rolo. Assim que vi a luz do dia, numa quarta-feira, pela uma hora da tarde. Dou-lhes até os bichos ruins rincharem ai, ai, ai!

Mais ainda teria que repassar ao público da lavra de Seu Joãozinho Bilé. A fraseologia dele é chã e gorda. Eu que me apertei na transcrição do fraseado. O subscritor da croniqueta marruá adverte, todavia, que em nada, e em absoluto, tem a ver com as tiradas filosóficas e magoadas acima emitidas, o que lhe não deve conferir covardia, senão apego à verdade das coisas.

Fort., 29/12/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 29/12/2010
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