Exploding Boy X Queen of Pain

"Me privar? Não, neném! Sou bicho solto, criado no caldeirão fervente em que o cérebro é jogado dentro enquanto as idéias vão amadurecendo conforme o tempo vai passando. A ausência de um ou de ambos os pais molda personalidades à parte. Não, melhor parar com isso! Nada de psicologia barata!"

- Mas que merda o que eu escrevi!

- Ahh ficou boom, continua!

Nem prestei atenção quando ela sentou ali ao meu lado e ficou pescoçando o que eu escrevia. Sua voz me assustou. Fiquei com aquele torpor que as crianças sentem quando são surpreendidas fazendo algo que de antemão foram proibidas de fazer. Eu escrevia no balcão do bar no meu bloco de notas de folha reciclada e resmungava insatisfeito da minha eloqüencia desconexa quando alguém se intromete. Não era um alguém qualquer. Era um alguém que os solitários de plantão almejam quando saem de casa pra beber num balcão de bar. Ficam ali, esperançosos de que uma bela dama entrará no bar para tirá-los de suas vidas miseráveis. Eu já tinha desistido disso. Preferia me entregar aos carinhos que a Gin-Tônica fazia na minha goela. Adorava prendê-la em cima meu dente que estava com cárie. Mas então, alguém se intromete e me tira da névoa da solitude.

- Ficou uma merda! Queria fazer uma analogia com um quadro do Van Gogh e sai isso...

- O que você está bebendo?

- Gin.

- Posso experimentar?

- Pode!

Empinou a bunda pra pegar o copo. Uma bela bunda, por sinal! Cheirou o copo e sorriu pra mim. Que sorriso! Cheio de promessas, aquele amontoado de dentes bem alinhados. Aqueles olhos tendenciosos ao mel. Aquela boca larga e fina exalava o puro almíscar da perdição. Me apaixonei!

Paguei a conta e saímos do bar de mãos dadas.

Eu, com um bloco de notas de papel reciclado em uma mão. Na minha outra mão, uma outra mão. Mão até que grande para uma mulher. Uma mulher de umbigo furado e cabelos vermelhos. De seios de tamanho ideal. Caberiam tanto na palma da mão quanto na boca. Suficientes para dar dores e trabalho para o palatoglosso. Os seios, quero dizer. Sentamos nos banquinhos em frente ao Banco Central e ficamos dialogando sem propósito. Dialogando olhando no olho, erigindo um falo de carne e orvalhando uma cratera de mel. Muitas vontades e o tempo curto. Nos despedimos no Metrô. Fiquei sentado olhando sua bunda enquanto ela ia embora da minha vida. Olhou pra trás e me mandou um beijo. Promessas de que poderíamos nos encontrar novamente contidas naquele beijo que saiu de seus lábios, passeou pela palma da sua mão, pela plataforma do Metrô e entrou no vagão antes das portas se fecharem e atingiram meus lábios antes que ela se perdesse no meio da multidão que subia a escada rolante.

19/05/10

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 13/12/2010
Código do texto: T2668708
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