GUERRA URBANA

É de uma tristeza passar diante de um ônibus queimado, pisar na água que escorre da carcaça, suja de óleo, no ar o cheiro de terror, as pessoas incrédulas olhando, a imprensa filmando, fotografando, helicópteros voam como moscas em uma ferida.

Passo diante da cena, sinto vontade de chorar, não choro, prefiro seguir em direção ao meu trabalho, vou a pé, é mais econômico e mais seguro, se é que há alguma segurança nesses dias de guerra urbana no Rio de Janeiro.

Não entendo o modo de pensar de gente que mata gente, que vicia gente, que perverte crianças, que arranca a cabeça do seu inimigo e sai pelas ruas exibindo-a. Que dinheiro é esse tão importante?

São os dias de hoje, aqui no meu bairro, na minha cidade, no meu amado Rio, é uma ferida tão intensa, que certamente vai demorar para sarar.

O mais triste é ver um menino, magro, sujo, de uns dez anos no máximo, chorando na rua, dá vontade de abraçar, levar pra casa e cuidar dele, olho mais a frente e vejo mais uns cinco, nas mesmas condições.

São filhos de ninguém, escravos da droga, seu futuro? Não há.

Essa guerra é o resultado de séculos de abandono, um dia eles crescem, pegam armas, queimam sem dó, como exigir que sintam algo, se sua vida é puramente física, se sentem fome, têm que roubar a comida, se o corpo pede sexo, violenta a colega ao lado e faz mais um Zé ninguém para seguir a saga.

Vemos o terror e queremos que eles morram, mas se pensarmos bem, aqueles meninos que muitas vezes nem chegaram aos dezoito anos, eles são fruto do total abandono social. Eu pergunto: por que as autoridades que têm poder de arrancar os filhos de algumas mães, não podem arrancar essas crianças das ruas? Que vivem em total abandono, elas poderiam ir para um lugar onde tenha, alimento, escola, lazer e algumas pessoas, que ganhassem, para abraçá-los sempre, dizer à eles como eles são bonitos, pentear seus cabelos, enfeitá-los, passear com eles no final de semana. Seria muito barato; no final haveria um elo afetivo de verdade, nem precisaria mais pagar para as visitas afetivas.

Essas crianças cresceriam como boas plantas e no futuro teríamos como colheita, médicos, engenheiros, professores... porque se for oferecido, alimento, limites, estudo e afeto, veremos como são todos iguais. Não teríamos mais essa vergonha social, que vemos nesse exato momento.

Igualar aqueles seres, aos filhos da classe dominante, é quase uma afronta, é uma gente que se acha muito superior, se permite alguma caridade, sempre de cima para baixo, mas nunca um solução de fato.

Eu que ponho a mão na massa, que convivo com essas crianças e no passado já trabalhei com meninos de rua. Afirmo sem a menor dúvida, estamos perdendo grandes mentes, muitos são inteligente, certamente seriam ótimos profissionais para esse país que sempre desvalorizou os seus. Se observarmos alguns famosos, ex-meninos abandonados do Brasil, que foram adotados por extrangeiros, hoje vemos na TV e nos orgulhamos deles, quantos estão agora morrendo nas ruas do Brasil?

ACORDA BRASIL!!!

Esses meninos podem fazer a diferença entre o bem e o mal, e eles mais que ninguém, precisam do amparo do estado, essa é uma dívida antiga, vem lá da abolição.