Heartbreak Freedom

- Devo ou Elvis?

- Põe a King Creole aí e deixa rolar. E vem aqui logo.

- Espera, apressadinho.

- Você fica linda de calcinha!

- Fala isso pra todas?

- Pior que falo, sim... Mulheres ficam lindas de calcinha!

- Ah, vá! Vou pegar outra cerveja, quer?

- Posso beber da sua?

- Hum...

- Tá, traz uma pra mim, chatona.

- Trago.

Ela, na cozinha, pega o celular.

Ele, no quarto, pega o celular.

Ambos ligam para os respectivos namorados.

A informação é a mesma: vão dormir na casa do/da amigo/amiga.

Ela desliga a ligação, guarda o celular no bolso da calça, que está largada no corredor do apartamento e pega as cervejas.

Ele desliga a ligação, guarda o celular no bolso da calça, que está largada ao lado da cama e cruza os braços atrás da cabeça.

- Já falei que você fica linda de calcinha?

- Já. Pra mim e para as putinhas que dormem aqui quando eu não estou. Não é?

- Já. Mas você é a mais linda de calcinha!

- Por quê?

- Elas são grandes e mesmo assim ficam pequenas.

- Me chamando de gorda, suponho...

- Não, de gostosa mesmo. Gosto dessa!

- Ah é?

- É a que eu mais gosto!

- Onde?

- No chão.

- É?

- É!

Fica de joelhos ao lado dela e segura na calcinha. Vai descendo lentamente, apreciando a nova visão. Aquele cheiro tão peculiar e característico sobe, levemente. Ele fica excitado. Passa o nariz, devagar, no delta aveludado dela. Ela se contorce um pouco. A calcinha fica presa nos dedos dos pés dela. Ele retira com uma certa mesura. Sai da cama e fecha a persiana. Acende a luz do abajur. A luz vermelha do abajur. A cor da luxúria. Tira sua própria roupa de baixo e deita ao lado dela. Se abraçam.

- Quero ouvir Devo.

- Eu também.

- "If you lookin' for trouble"

- "You came to the right place"

- Por que você não mora comigo?

- E as suas namoradas?

- Só tenho UMA namorada.

- Que seja... Por que você não mora com ela?

- Não daria certo.

- E por que comigo daria?

- Com você rola sentimento, entende?

- Até entendo... Acho que é uma parada recíproca... Apesar dos pesares, né?

- É... Vem? Morar comigo?

- Assim, do nada? Sem mais nem menos?

- Não é do nada e muito menos "sem mais nem menos"... Já tem quase 1 ano que estamos nessa...

- Eu gosto tanto de você! Sério... Isso que você está falando, é de verdade?

- É muito de coração o que eu estou pedindo pra você.

Abriram as cervejas, brindaram e deram as primeiras talagadas, pensativos. Mãos dadas, recostados no espaldar da cama, pensando no que aquele pedido implacaria em matéria de decisões na vida de cada um.

"Ele não se importa com o meu jeito desbocado, que nem meu namorado. Posso ser eu mesma com ele".

"Ela não se importa com o meu jeito desbocado, que nem minha namorada. Posso ser eu mesmo com ela".

"Ele não tem frescura, transa bem, tem o ciúmes dentro do controle, conversa bem. É pouco ambicioso. Isso que é foda".

"Ela não tem frescura, transa bem, tem o ciúmes dentro do controle, conversa bem. É meio gananciosa, mas talvez seja uma vantagem".

"Mas morando aqui vou ter que lavar minhas roupas, fazer comida, não tem internet e tem esses gatos".

"Foda que ela é acostumada a ter roupa lavada e comida quentinha no prato e não é muito chegada nos gatos".

Entornam a garrafa num bom gole. Entreolham-se e soltam um meio-sorriso de acanhamento. Apertam as mãos.

Começa a tocar "Freedom of Choice", do Devo.

- Eu gosto dessa música.

- Eu também.

Quando não, já estão transando. De repente, de repente começaram, grudaram as entranhas e começaram os movimentos característicos. Como sempre, o quarto ficou em chamas. Os gatos adoravam ver o espetáculo. Ficavam na ponta da cama sentados, enfileirados, os três, olhando, até serem acertados por uma perna descontrolada ou esmagados numa troca repentina de posição. Gozaram simultaneamente e ficaram abraçados, suados, resfolegantes e satisfeitos, naquele estado de cabeça vazia característico do pós-gozo.

Tocava "Heartbreak Hotel", do Elvis.

Ele sentia a música mexendo com seus nervos. A voz, a paixão entoada, a letra... Abraçou-a com força. Ela compreendia o porquê e retribuiu a força. Mais nada foi dito.

Nada. Pegaram no sono. Sono pesado, enquanto os gatos corriam na sala, derrubando o videogame, os cds, a cortina...

Amanheceu.

Arrumaram a bagunça dos felinos e foram até o mercado comprar o café da manhã e uns maços de cigarros. Fizeram o café, comeram, tomaram banho, treparam e ela foi embora.

Ele ficou da janela observando-a entrar no carro do namorado enquanto sua namorada descia do ônibus no outro lado da rua.

Sentiu-se subitamente cansado. Afagou um dos gatos e desligou o som.

Esperou.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 20/11/2010
Código do texto: T2627397
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.